Translate

sexta-feira, 18 de maio de 2012

SIMPLESMENTE LINDA


SIMPLESMENTE LINDA
Gilvan


Não a conheço. Contudo, é como a conhecesse, pois não tem aula que a jovem mãe não fale da Maria Eduarda. Mãe é assim mesmo, boba, coruja, baba pela prole. A Maria Eduarda, assim como muitas outras crianças, parece crescer feliz. Sim, feliz porque amada. O amor desperta não apenas o sorriso, mas acalenta a alma e faz brotar por sobre a Terra homens e mulheres de bem. Saudáveis emocionalmente. Equilibrados psicologicamente. Num país marcado pelo descaso, pelo abandono, pela bastardia, onde seres nascem sem a oportunidade de serem, de fato, crianças, ser amado ou amada, por certo, constitui-se num privilégio. É a Maria Eduarda, mas poderia ser Thaíse, Marcelly, Matheus, Thamires, Samuel ou Leonardo. Crianças felizes. No lugar de cestos de vime, um aconchegante berço. Ao invés de sacos plásticos, boiando sobre a água, a envolver o corpo inocente, mantas e roupas quentinhas a cobrir-lhes o corpo. No lugar do choro desesperado nascido da dor e do gélido frio, o choromingo manhoso de quem almeja pelo colo materno. Filhos não das pedras, mas do amor. Obras não do acaso, como se acidentes fossem, mas sim frutos de um sentimento muito maior, sem fim, imensurável... A voz da mãe ao pronunciar o nome da Maria Eduarda soa como voz de arauto a anunciar um anjo. Como ser diferente? Ah, se pais e mães soubessem o poder das palavras, jamais amaldiçoariam seus filhos. Palavras doces, nem por isso destituídas de firmeza, fertilizam o terreno das emoções e fazem brotar lindos botões e formosas flores. Palavras ofensivas e expressões de desprezo espezinham o coração e machucam a alma, quase sempre, de maneira indelével. Trazem sérias consequências e ignóbeis marcas, às vezes eternas, sobre a vida. Gerações perdidas são aquelas, simples e irresponsavelmente paridas. Seres que nascem do excesso do álcool ou de outras tantas drogas que entorpecem. Contudo, no olhar de crianças como o da Maria Eduarda renasce a teimosa e sempre bem-vinda esperança de que, quiçá um dia, vivamos cercados de crianças lindas, simplesmente lindas...

quarta-feira, 16 de maio de 2012

ENTREVISTA COM BAUMAN


ENTREVISTA COM BAUMAN
Revista IstoÉ, setembro de 2010


Zygmunt Bauman
"Vivemos tempos líquidos. Nada é para durar"
Sociólogo polonês cria tese para justificar atual paranoia contra a violência e a instabilidade dos relacionamentos amorosos
Adriana Prado
 O sociólogo polonês radicado na Inglaterra Zygmunt Bauman é um dos intelectuais mais respeitados e produtivos da atualidade. Aos 84 anos, escreveu mais de 50 livros. Dois dos mais recentes, “Vida a crédito” e “Capitalismo Parasitário” chegam ao Brasil pela Zahar. As quase duas dezenas de títulos já publicados no País pela editora venderam mais de 200 mil cópias. Um resultado e tanto para um teórico. Pode-se explicar o apelo de sua obra pela relativa simplicidade com que esmiúça aspectos diversos da “modernidade líquida”, seu conceito fundamental. É assim que ele se refere ao momento da História em que vivemos. Os tempos são “líquidos” porque tudo muda tão rapidamente. Nada é feito para durar, para ser “sólido”. Disso resultariam, entre outras questões, a obsessão pelo corpo ideal, o culto às celebridades, o endividamento geral, a paranóia com segurança e até a instabilidade dos relacionamentos amorosos. É um mundo de incertezas. E cada um por si. “Nossos ancestrais eram esperançosos: quando falavam de ‘progresso’, se referiam à perspectiva de cada dia ser melhor do que o anterior. Nós estamos assustados: ‘progresso’, para nós, significa uma constante ameaça de ser chutado para fora de um carro em aceleração”, afirma. Em entrevista à ISTOÉ, por e-mail, o professor emérito das universidades de Leeds, no Reino Unido, e de Varsóvia, na Polônia, falou também sobre temas que começou a estudar recentemente, mas são muito caros aos brasileiros: tráfico de drogas, favelas e violência policial.

ISTOÉ -
 O que caracteriza a “modernidade líquida”?
ZYGMUNT BAUMAN -
 Líquidos mudam de forma muito rapidamente, sob a menor pressão. Na verdade, são incapazes de manter a mesma forma por muito tempo. No atual estágio “líquido” da modernidade, os líquidos são deliberadamente impedidos de se solidificarem. A temperatura elevada — ou seja, o impulso de transgredir, de substituir, de acelerar a circulação de mercadorias rentáveis — não dá ao fluxo uma oportunidade de abrandar, nem o tempo necessário para condensar e solidificar-se em formas estáveis, com uma maior expectativa de vida.
ISTOÉ -
 As pessoas estão conscientes dessa situação?
ZYGMUNT BAUMAN -
 Acredito que todos estamos cientes disso, num grau ou outro. Pelo menos às vezes, quando uma catástrofe, natural ou provocada pelo homem, torna impossível ignorar as falhas. Portanto, não é uma questão de “abrir os olhos”. O verdadeiro problema é: quem é capaz de fazer o que deve ser feito para evitar o desastre que já podemos prever? O problema não é a nossa falta de conhecimento, mas a falta de um agente capaz de fazer o que o conhecimento nos diz ser necessário fazer, e urgentemente. Por exemplo: estamos todos conscientes das consequências apocalípticas do aquecimento do planeta. E todos estamos conscientes de que os recursos planetários serão incapazes de sustentar a nossa filosofia e prática de “crescimento econômico infinito” e de crescimento infinito do consumo. Sabemos que esses recursos estão rapidamente se aproximando de seu esgotamento. Estamos conscientes — mas e daí? Há poucos (ou nenhum) sinais de que, de própria vontade, estamos caminhando para mudar as formas de vida que estão na origem de todos esses problemas.
ISTOÉ -
 A atual crise financeira tem potencial para mudar a forma como vivemos?
ZYGMUNT BAUMAN -
 Pode ter ou não. Primeiramente, a crise está longe de terminar. Ainda veremos suas consequências de longo prazo (um grande desemprego, entre outras). Em segundo lugar, as reações à crise não foram até agora animadoras. A resposta quase unânime dos governos foi de recapitalizar os bancos, para voltar ao “normal”. Mas foi precisamente esse “normal” o responsável pela atual crise. Essa reação significa armazenar problemas para o futuro. Mas a crise pode nos obrigar a mudar a maneira como vivemos. A recapitalização dos bancos e instituições de crédito resultou em dívidas públicas altíssimas, que precisão ser pagas pelos nossos filhos e netos — e isso pode empobrecer as próximas gerações. As dívidas exorbitantes podem levar a uma considerável redistribuição da riqueza. São os países ricos agora os mais endividados. De qualquer forma, não são as crises que mudam o mundo, e sim nossa reação a elas.
ISTOÉ -
 Ao se conectarem ao mundo pela internet, as pessoas estariam se desconectando da sua própria realidade?
ZYGMUNT BAUMAN -
 Os contatos online têm uma vantagem sobre os offline: são mais fáceis e menos arriscados — o que muita gente acha atraente. Eles tornam mais fácil se conectar e se desconectar. Casos as coisas fiquem “quentes” demais para o conforto, você pode simplesmente desligar, sem necessidade de explicações complexas, sem inventar desculpas, sem censuras ou culpa. Atrás do seu laptop ou iPhone, com fones no ouvido, você pode se cortar fora dos desconfortos do mundo offline. Mas não há almoços grátis, como diz um provérbio inglês: se você ganha algo, perde alguma coisa. Entre as coisas perdidas estão as habilidades necessárias para estabelecer relações de confiança, as para o que der vier, na saúde ou na tristeza, com outras pessoas. Relações cujos encantos você nunca conhecerá a menos que pratique. O problema é que, quanto mais você busca fugir dos inconvenientes da vida offline, maior será a tendência a se desconectar.
ISTOÉ -
 E o que o senhor chama de “amor líquido”?
ZYGMUNT BAUMAN -
 Amor líquido é um amor “até segundo aviso”, o amor a partir do padrão dos bens de consumo: mantenha-os enquanto eles te trouxerem satisfação e os substitua por outros que prometem ainda mais satisfação. O amor com um espectro de eliminação imediata e, assim, também de ansiedade permanente, pairando acima dele. Na sua forma “líquida”, o amor tenta substituir a qualidade por quantidade — mas isso nunca pode ser feito, como seus praticantes mais cedo ou mais tarde acabam percebendo. É bom lembrar que o amor não é um “objeto encontrado”, mas um produto de um longo e muitas vezes difícil esforço e de boa vontade.
ISTOÉ -
 Nesse contexto, ainda faz sentido sonhar com um relacionamento estável e duradouro?
ZYGMUNT BAUMAN -
 Ambos os tipos de relacionamento têm suas próprias vantagens e riscos. Em um mundo “líquido”, em rápida mutação, “compromissos para a vida” podem se revelar como sendo promessas que não podem ser cumpridas — deixando de serem algo valioso para virarem dificuldades. O legado do passado, afinal, é a restrição mais grave que a vida pode impor à liberdade de escolha. Mas, por outro lado, como se pode lutar contra as adversidades do destino sozinho, sem a ajuda de amigos fiéis e dedicados, sem um companheiro de vida, pronto para compartilhar os altos e baixos? Nenhuma das duas variedades de relação é infalível. Mas a vida também não o é. Além disso, o valor de um relacionamento é medido não só pelo que ele oferece a você, mas também pelo que oferece aos seus parceiros. O melhor relacionamento imaginável é aquele em que ambos os parceiros praticam essa verdade.
ISTOÉ -
 O que explicaria o crescimento do consumo de antidepressivos?
ZYGMUNT BAUMAN -
 Você colocou o dedo em um dos muitos sintomas da nossa crescente intolerância ao sofrimento – na verdade, uma intolerância a cada desconforto ou mesmo ligeira inconveniência. Em uma vida regulada por mercados consumidores, as pessoas passaram a acreditar que, para cada problema, há uma solução. E que esta solução pode ser comprada na loja. Que a tarefa do doente não é tanto usar sua habilidade para superar a dificuldade, mas para encontrar a loja certa que venda o produto certo que irá superar a dificuldade em seu lugar. Não foi provado que essa nova atitude diminui nossas dores. Mas foi provado, além de qualquer dúvida razoável, que a nossa induzida intolerância à dor é uma fonte inesgotável de lucros comerciais. Por essa razão, podemos esperar que essa nossa intolerância se agrave ainda mais, em vez de ser atenuada.
ISTOÉ -
 E a obsessão pelo corpo perfeito?
ZYGMUNT BAUMAN -
 Não é o ideal de perfeição que lubrifica as engrenagens da indústria de cosméticos, mas o desejo de melhorar. E isso significa seguir a moda atual. Todos os aspectos da aparência corporal são, atualmente, objetos da moda, não apenas o cabelo ou a cor dos lábios, mas os tamanhos dos quadris ou dos seios. A “perfeição” significaria um fim a outras “melhorias”. Na cirurgia plástica, são oferecidos aos clientes cartões de “fidelidade”, garantindo um desconto nas sucessivas cirurgias que eles certamente irão realizar. Assim como a indústria de celebridades, a indústria cosmética não tem limites e a demanda por seus serviços pode, a princípio, se expandir infinitamente.
ISTOÉ -
 O que está por trás desse culto às celebridades?
ZYGMUNT BAUMAN -
 Não é só uma questão de candidatos a celebridades e seu desejo por notoriedade. O que também é uma questão é que o “grande público” precisa de celebridades, de pessoas que estejam no centro das atenções. Pessoas que, na ausência de autoridades confiáveis, líderes, guias, professores, se oferecem como exemplos. Diante do enfraquecimento das comunidades, essas pessoas fornecem “assuntos-chave” em torno dos quais as quase-comunidades, mesmo que apenas por um breve momento, se condensam —para desmoronar logo depois e se recondensar em torno de outras celebridades momentâneas. É por isso que a indústria de celebridades está garantida contra todas as depressões econômicas.
ISTOÉ -
 Como fica o futuro nesse contexto de constantes mudanças?
ZYGMUNT BAUMAN -
 Nossos ancestrais eram esperançosos: quando falavam de "progresso", se referiam à perspectiva de cada dia ser melhor do que o anterior. Nós estamos assustados: “progresso”, para nós, significa uma constante ameaça de ser chutado para fora de um carro em aceleração. De não descer ou embarcar a tempo. De não estar atualizado com a nova moda. De não abandonar rapidamente o suficiente habilidades e hábitos ultrapassados e de falhar ao desenvolver as novas habilidades e hábitos que os substituem. Além disso, ocupamos um mundo pautado pelo “agora”, que promete satisfações imediatas e ridiculariza todos os atrasos e esforços a longo prazo. Em um mundo composto de “agoras”, de momentos e episódios breves, não há espaço para a preocupação com “futuro”. Como diz um outro provérbio inglês: “Vamos cruzar essa ponte quando chegarmos a ela”. Mas quem pode dizer quando (e se) chegar e em que ponte?
ISTOÉ -
 Há cinco anos, a polícia de Londres matou o brasileiro Jean Charles de Menezes, alegando tê-lo confundido com um terrorista. Por que o mundo está tão paranoico com segurança?
ZYGMUNT BAUMAN -
 Essa obsessão e a nossa gestão dos assuntos globais, responsável por reforçá-la, constituem a ameaça mais terrível à nossa segurança. O fantástico crescimento das “indústrias de segurança”, juntamente com a crescente suspeita de perigo que ela evoca, são motivos para antever uma piora das coisas. Se não por qualquer outro motivo, então porque, na lógica das armas de fogo, uma vez carregadas, em algum elas deverão ser descarregadas.
ISTOÉ -
 No Brasil, a violência é uma questão especialmente preocupante. Como o sr. enxerga isso?
ZYGMUNT BAUMAN -
 Para começar, as favelas servem como uma lixeira para um número enorme de pessoas tornadas desnecessárias em partes do País onde suas fontes tradicionais de sustento foram destruídas — para quem o Estado não tinha nada a oferecer nem um plano de futuro. Mesmo que não declararem isso abertamente, as agências estatais devem estar felizes pelo fato de o povo nas favelas tomar os problemas em suas próprias mãos. Por exemplo, ao construir seus barracos rapidamente e de qualquer forma, usando materiais instáveis, encontrados ou roubados, na ausência de habitações planejadas e construídas pelas autoridades estaduais ou municipais para acomodá-los.
ISTOÉ -
 Essa ausência do Estado abriu espaço para os traficantes. O combate às quadrilhas às vezes é usado com justificativa para excessos da polícia. Por que tanta violência?
ZYGMUNT BAUMAN -
 As relações entre a polícia e as empresas de tráfico de drogas são, na apropriada expressão de Bernardo Sorj (sociólogo brasileiro, professor da Universidade Federal do Rio), “nem de guerra nem de paz”. Esse amor e ódio entre as duas principais agências de terror aumenta o estigma da favela como o local da violência genocida. Ao mesmo tempo, porém, também contribui para a “funcionalidade” das favelas na manutenção do atual sistema de poder no Brasil. A polícia brasileira tem um longo histórico de tratamento brutal aos pobres, anterior à proliferação relativamente recente das favelas. A brutalidade da polícia é mesmo para ser espetacular. Como não é particularmente bem sucedida no combate à criminalidade e à corrupção, a polícia, para convencer a população de seu potencial coercitivo, deve assustá-la e coagi-la a ser passivamente obediente.
ISTOÉ -
 O sr. vê uma solução?
ZYGMUNT BAUMAN -
 Algo está sendo feito, mesmo que, até agora, não seja suficiente para cortar um nó firmemente amarrado por décadas, senão séculos. Um exemplo é o Viva Rio (ONG que atua contra a violência). Pequenos passos, talvez, sopros não fortes o suficiente para romper a armadura do ressentimento mútuo e indiferença moral de anos entre “morro” e “asfalto” no Rio. Mas a escolha é, afinal, entre erguer paredes de pedra e aço ou o desmantelamento de cercas espirituais.
ISTOÉ -
 O que o sr. diria ao jovens?
ZYGMUNT BAUMAN -
 Eu desejo que os jovens percebam razoavelmente cedo que há tanto significado na vida quando eles conseguem adicionar isso a ela através de esforço e dedicação. Que a árdua tarefa de compor uma vida não pode ser reduzida a adicionar episódios agradáveis. A vida é maior que a soma de seus momentos.

FAZENDO O KIKO LEVANTAR
Gilvan
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com



Apesar de aparentemente pornográfico, o título nada tem de imoral. Ao contrário. Serve, quem sabe, de incentivo às boas ações e ao exercício de cidadania. Não faz muito, um fato interessante – apesar de corriqueiro – suscitou minha atenção. Uma aluna da EJA (antigo Supletivo), de uma escola encravada na periferia, chamara atenção de um colega, mais novo, por este ter jogado papel ao chão. Irresignada com a ação, a aluna exigiu que o colega não apenas juntasse, mas que levasse o lixo até o local adequado para depositá-lo. Quantas lições se pode tirar de fato tão pitoresco: a primeira delas, é de que a origem social não é justificativa capaz de condenar ou absolver alguém de seus erros e acertos. Nascer, crescer, trabalhar, estudar, morar, enfim, viver na periferia não pressupõe aversão aos princípios universais de convivência. Nem tampouco significa abrir mão da higiene, do respeito ao meio e às pessoas que nele convivem. Escassez de recursos e falta de bom senso não precisam, necessariamente, estar casadas. A segunda lição é a de que a cidadania se dá a partir de pequenos gestos. Prescinde dos holofotes da mídia ou de matérias jornalísticas. Fazer o bem e agir corretamente deveria ser a regra, jamais a exceção. A honestidade, o respeito, a solidariedade e a ética deveriam ser tão natural e “automático” quanto piscar ou respirar. Uma outra lição, a terceira – se não me trai a memória –, é a de que, em princípio, sempre é tempo para começar. Não importa a idade, nem tampouco o tempo que se perdeu. Boas ações são sempre bem-vindas. O Kiko, como ia dizendo, foi chamado atenção pela colega. Gesto bonito. Firme, mas educado. Sem rodeios, mas amoroso. Típico de quem quer bem. Só “puxa a orelha” aquele que, de fato, está preocupado com o outro. Quem ama, educa. Educar, às vezes, significa repreender. Mais tarde, o tempo dirá o quanto este ou aquele safanão fora importante. A surpresa inicial do Kiko ao ser repreendido, logo deu lugar – no fundo – à admiração: alguém se importou com ele. O gesto da colega, talvez mal interpretado pelos mais desavisados, servira de lição, não apenas para o simpático Kiko, mas para o grupo como um todo. O mundo, o país, a cidade, a escola precisa de pessoas capazes de fazerem o “Kiko” levantar. Homens e mulheres que não se omitam, que não titubeiem frente às injustiças, barbáries e ofensas, especialmente aquelas que firam a ética e os mais elementares princípios de convivência. Precisa-se de homens e mulheres valorosos, mais preocupados com o “fazer” do que com o “dizer”. O velho e carcomido discurso do “politicamente correto” – que, como mantra, mais nos fazem cansar do que agir –, não raras vezes, descomprometido, deve ceder lugar à práxis instigadora de mudanças e de transformações positivas. Parabéns para aquela que fez o Kiko levantar.  

quarta-feira, 9 de maio de 2012

JUSTIÇA SOCIAL: O VERDADEIRO SIGNIFICADO DO DESENVOLVIMENTO


JUSTIÇA SOCIAL: O VERDADEIRO SIGNIFICADO DO DESENVOLVIMENTO
Gilvan Teixeira
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com


                País desenvolvido é aquele que garante à esmagadora maioria da população boa qualidade de vida. Mais do que números positivos na balança comercial, no PIB, nas taxas de crescimento do mercado interno, etecetera e tal, o que realmente caracteriza um país desenvolvido é a qualidade do ensino, do atendimento médico-hospitalar, da segurança, dos meios de transporte, do saneamento básico, do acesso à informação, do lazer, da infraestrutura, entre outros. O desenvolvimento de um país é medido, ainda, pelo nível de confiança das pessoas nos aparelhos e órgãos do Estado, na capacidade dos entes públicos em darem respostas rápidas e eficazes às demandas suscitadas pelos cidadãos. Um país desenvolvido é aquele que transforma os balancetes frios da economia em escolas, hospitais, praças, rodovias, teatros, etc. País desenvolvido é o que tem seus Poderes constituídos verdadeiramente livres e independentes, jamais amasiados com interesses privados. Desenvolvido é o país que tem ojeriza à corrupção e ao ganho que nasce nas entranhas do crime, organizado ou não. País desenvolvido é o que expurga, de forma exemplar, os que – togados ou não, graduados ou sem estudo, ricos ou sem grandes posses – ofendem os princípios da moralidade, da impessoalidade e da gestão séria e comprometida com o real interesse público. País desenvolvido é o que valoriza a produção, mas também aquele que produz. É o que acredita no ser humano e protege a vida. Desenvolvido é o país que se coaduna à sustentabilidade. É aquele que supera o discurso fácil e transforma em realidade a letra fria e morta da lei. Portanto, o Brasil, nem de perto, é um país desenvolvido.

                Nosso país precisa avançar muito no que tange à justiça social e distribuição de renda. Apesar das inegáveis melhorias no aumento do mercado interno e no poder de compra das classes mais baixas – alavancadas por uma perigosa e cara ciranda de crédito aparentemente fácil –, o Brasil ainda convive com enormes e vergonhosos bolsões de miséria. O campo segue marcado pela distribuição desigual das terras, incitando conflitos fundiários com consequências nefastas não apenas para os mais fracos, mas para sociedade como um todo. A relação entre capital e trabalho, apesar de mais estável do que tempos idos, segue a reboque de uma legislação que, por um lado, onera de forma irresponsável o empregador, enquanto, por outro lado, insiste em retirar dos trabalhadores direitos historicamente conquistados. Nunca o Estado arrecadou tanto, resultado de uma insana carga tributária a encarecer o chamado “custo Brasil”, contudo – ainda assim –, nunca esteve tão ameaçado o sistema previdenciário, trazendo profunda insegurança e injustiça no que tange à maioria dos atuais e futuros aposentados. Insegurança é, também, o sentimento que aumenta de forma geometricamente proporcional à permissividade, inoperância, ineficiência, ineficácia e incompetência dos aparelhos preventivo e repressivo do Estado. Estado e crime organizado, por vezes, se confundem. As penas aplicadas aos criminosos, apesar de nem sempre serem em tese brandas, na prática servem de zombaria e pilhéria, haja vista o não cumprimento – de fato – das mesmas. Os presídios, país adentro, são antros do tráfico, da prostituição, das doenças infectocontagiosas, em nada contribuindo para ressocialização dos presos. Servem, tão somente, a interesses espúrios de alguns narcotraficantes associados a alguns inescrupulosos protegidos, às vezes, por mandatos, diplomas ou cargos que, na prática, alimentam o ciclo da corrupção. Enquanto isso, a população segue refém do medo e do sentimento de impotência, para vergonha de toda uma nação.

                Assim, o desenvolvimento – pautado na justiça social – segue sendo, ainda, um sonho distante. Apesar disso, possível. Contudo, a melhoria na qualidade de vida da população passa, necessária e obrigatoriamente, pela “refundação” do Estado. Este precisa ser, urgente e profundamente, transformado, remodelado, assentado em outras bases que não a do clientelismo, personalismo, empreguismo e outros “ismos” infames que servem, tão-somente, para perpetuar privilégios de uma casta que, a cada dia, enriquece às custas da maioria. Esvaem-se não apenas recursos, mas confiança e credibilidade no Estado. Este, no Brasil hodierno, é dispensável, pois apesar de excessivamente caro, não presta, não funciona, não responde aos anseios de quem o sustenta. O Estado brasileiro, há muito vem sendo um enorme cabide de empregos, estáveis e, não raras vezes, muito bem remunerados. Um Estado que serve aos interesses, quase que exclusivamente, da própria “máquina”, não precisa existir. Não merece existir. O Estado só tem sentido enquanto, de fato e de direito, “serve” ao cidadão.  

                Ano eleitoral é um bom momento, infelizmente –  às vezes – o único, de reflexão. Que país desejamos? Que município sonhamos? Uma cidade para poucos ou para a maioria? Um município que fique à margem da capital ou forte e respeitado? Uma cidade excludente ou acolhedora? Cachoeirinha precisa sair das sombras de Porto Alegre. Necessita ganhar vida. Nossa cidade precisa superar a histórica e triste imagem de uma “avenida cercada de vilas”. Precisamos criar e investir em espaços culturais, escolas, saneamento básico, postos de saúde, hospitais, geração de emprego e renda, segurança pública e sistema viário, por exemplo. Para tanto, faz-se necessário um Poder Público sério e forte. Indispensável é que se tenha um Executivo “limpo” e transparente. Não menos urgente é um Legislativo afinado aos interesses da coletividade. A Câmara precisa ser depurada e renovada. Figuras “dinossáuricas” – algumas delas destituídas do preparo intelectual que se espera de um representante do povo – soam, hoje, como anacrônicas. Politiqueiros que pautam sua atuação na troca de favores e numa “rede” imoral (apesar de “legal”) sustentada por CCs e FGs, todos pagos com dinheiro público, não são merecedores do sagrado mandato parlamentar. Candidatos que usam de seu poder hierárquico como instrumento de pressão sobre os eleitores não merecem a investidura que nasce das bases. Assim, façamos do pleito de outubro um momento de verdadeira mudança. Deseja-se que a reflexão, o espírito crítico e propositivo, enfim, o exercício da cidadania, promovam profundas mudanças em Cahoeirinha. Seja nosso município motivo de orgulho, não do tipo ufanista, mas um orgulho pautado nos mais nobres valores da solidariedade, da honestidade, do espírito público, da ética. Somente assim, promoveremos justiça social e, com ela, o verdadeiro desenvolvimento. 

terça-feira, 1 de maio de 2012

FILHOS E TEXTOS


FILHOS E TEXTOS
Gilvan
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com

                Filhos se parecem com textos. Por mais feios que, para os outros, possam parecer, para nós são as criaturas mais belas. Os concebemos, a ambos (filhos e textos), muito antes de nascerem de fato. Mesmo antes de existirem, já os imaginávamos assim ou assado. Filhos e textos vão se constituindo a cada momento. São um eterno devir. Podem ter uma vírgula a mais, um ponto a menos, muitas exclamações e um número sem fim de interrogações. Não interessa, são nossos. Os amamos. São produtos de nosso ser, oriundos das mais profundas entranhas. Revelam um tanto daquilo que somos e acreditamos. Como dizem os amigos: “a cara de um, o focinho de outro!”. Nem poderia ser diferente. Tal pai, tal filho. Tal criador, tal criatura. Tal escritor, tal texto. Teimamos em mostrá-los a terceiros. Sinuosos ou não, tortos ou ajeitadinhos, pequenos ou grandes, prolixos ou boçais, são o nosso orgulho. Olhos de pai (e de escritor) são cegos. Às vezes, é bem verdade. Outras vezes, nem tanto. Como textos, os filhos até podem parecer “acabados”, prontos. Para quem os cria, sempre falta algo. Teimamos em “largá-los” para o mundo. Quando saem, deixam como que um profundo vazio, um sentimento de abandono. É para o bem deles, sabemos. Deles e, é claro, do mundo. Porém coração de pai é assim mesmo... Espécie de egoísmo, não daquela espécie vil, mas um egoísmo virtuoso, aceitável e, por que não, admirável. Filhos e textos representam para nós, que os criamos, o que nem sempre representam para os outros. Para estes, talvez prosa. Para nós poesia. Para aqueles, afirmação, para nós dúvida. Para os outros, crítica, para nós condescendência. Talvez não percebamos – nós, pais e escritores – que uma vez lançados ao mundo, nossas criações e criaturas têm vida própria. Mesmo antes, talvez. É duvidar, até mesmo os textos têm vontade própria. O que não dizer, então, dos filhos? Traçamos, de antemão, o destino dos filhos e dos textos. Contudo, assim como o enredo, a vida nos prega peças. Insistir? Que jeito? Tentar, até que tentamos. Insistimos daqui, escrevemos dali... Sem sucesso, muitas vezes. Nossas obras-primas (em forma de linhas ou de gente), por vezes, criam asas. Autonomia que, muito antes de envergonhar aqueles que as concebem, enche de orgulho. Serão, quem sabe, porta-vozes e instrumentos dos valores que acreditamos. Livros e filhos devem semear virtudes. Assim o fazendo, terá sido válido cada minuto vivido, cada palavra escrita. Mais do que belas capas ou roupas de grife, o que se quer é conteúdo. Filhos se parecem com textos.  


Ver:  http://www.sinepe-rs.org.br/core.php?snippet=newsletter&idNews=16428&idPai=554&id=16429