Translate

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

ESCOLA INCLUSIVA: PARA QUEM?



ESCOLA INCLUSIVA: PARA QUEM?
Gilvan
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br

                Há algum tempo, a questão envolvendo a “inclusão” de pessoas com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e/ou altas habilidades (superdotação), junto aos bancos da chamada escola regular, tem gerado uma série de manifestações contrárias à iniciativa, em que pese seu amparo legal. Argumentos não faltam no sentido de embasarem a resistência à política governamental levada a cabo pelo Poder Público em todas suas esferas. Algumas das “justificativas” apresentadas, principalmente por educadores, para bem da verdade, são pertinentes, compreensíveis, porém insuficientemente sólidas ao ponto de afastarem a premente necessidade de cumprimento do texto constitucional, onde resta clara a isonomia entre todos, independentemente da condição física, motora ou cognitiva, por exemplo. O arcabouço jurídico brasileiro tende a proteger os grupos tidos como hipossuficientes, objetivando garantir-lhes oportunidades iguais. Optou-se por dar tratamento digamos “mais benéfico” às minorias, entre elas as que possuem deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e/ou altas habilidades (superdotação).

Não são poucos os profissionais da Educação que alegam o despreparo para lidarem com o referido “público”. Responsabilizam, principalmente, o ente público pela inépcia docente. As (des)culpas vão desde a falta de investimentos na formação de recursos humanos até a precariedade dos prédios, dificultando a acessibilidade, passando pela apatia das famílias, pelo preconceito da comunidade em geral e pelos limites “inatos” diretamente associados aos próprios educandos. Sobram motivos para o “não-fazer” pedagógico. Multiplicam-se as razões para “escantear” todos aqueles e aquelas que fogem aos padrões estabelecidos. Apela-se inclusive para a potencial “ameaça” que as pessoas com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e/ou altas habilidades (superdotação) representariam para a integridade física dos demais educandos, para a organização da sala de aula, para a explanação dos conteúdos previstos no famigerado Plano de Estudos. Triste e perverso engodo. Talvez não intencional, porém, como já dito, triste e perverso! Ora, se o aluno dito “de inclusão” representa um estorvo à aprendizagem do grande grupo ou à organização da escola como um todo, pergunta-se: por que o país, o estado e o município amargam vergonhosos e pífios resultados nas avaliações “externas” que, apesar de limitadas e questionáveis, apontam para o caos? Por que os educandos tidos como “normais” não aprendem? Por que os alunos que não se enquadram no grupo de “incluídos” (inclusos) apresentam sérios problemas de indisciplina escolar? Por que a escola não consegue superar os históricos problemas da evasão e repetência? Por que o corpo docente não consegue planejar e trabalhar de forma coletiva? Percebe-se, portanto, que atribuir à política de inclusão qualquer ou eventual fracasso soa como desonesto, irresponsável e pouco inteligente. O ato de ensinar, independentemente do público-alvo, requer competência, ética, responsabilidade. Talvez, no fundo, o grande problema trazido pela “inclusão” tenha sido o desmascaramento de algo que andava às escondidas, qual seja, o fato de que cada sujeito – independentemente de ter deficiência ou não – aprende de um jeito. O aluno de inclusão mostra, de forma nua e crua, a necessidade de um olhar e tratamento “personalizados” por parte de quem educa. O aluno de inclusão “escancara” com as deficiências. Nãos as dele, mas as da escola!

Urge a construção de uma escola verdadeiramente inclusiva, capaz de acolher a todos e a cada um. Uma escola que ensine, que dê asas à criatividade, que instigue a curiosidade, esta matéria-prima do conhecimento. Uma escola lúdica, alegre, humana, colorida, zelosa pela cultura historicamente construída, porém atenta à modernidade. Uma escola que prepare para as demandas e desafios da vida. Uma escola fundada no relacionamento ético, comprometida com o meio, desafiadora, promotora da paz!

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

EPÍLOGO



EPÍLOGO
Gilvan
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com



                Acho que estou ficando velho. Com a idade, as manias. É chegar o final do ano, especialmente o Natal, bate uma espécie de tristeza, nostalgia... Talvez, o mesmo sentimento dos elefantes, quando pressentem que o fim se aproxima. Afastam-se da manada. Por vezes, também desejo afastar-me... Uma profunda e inexplicável vontade de ficar só, enfiado no mais profundo silêncio do meu ser. Sem aquela aparente necessidade de ter que oferecer respostas às perguntas ou ter que esboçar perguntas que engendrem respostas, mesmo que vazias. O Natal e quase tudo o que a ele (ao menos hoje!) está associado, me oprime. A “obrigação”, imposta por uma sociedade consumista, de presentear familiares, parentes, amigos e até mesmo o cachorrinho ou o gatinho de estimação, cria um triste “caldo” cultural, tomado pelos “temperos” do mercado e do capital, “condimentos” que têm como principal tarefa escamotear o fétido cheiro do “cadáver”. Pertencemos e somos frutos de uma cultura morta e, de per si, mal cheirosa. Não fosse o “incenso”, travestido em tantas datas comemorativas, se revelaria insuportável. A propaganda, com toda sua criatividade e apelação, há muito vem servindo para mascarar o defunto. Perdoem-me as crianças. Confesso que, noutros tempos, era bem menos insosso e não tão amargo. Natal, penso hoje, deveria ser momento de afagos e abraços. Muitos abraços... Momento de festa, reunião de parentes e amigos, mas sem presentes! Tá bom, no máximo, presentes confeccionados por quem os dá. Já imaginaram, poder passar horas, dias, quem sabe meses, preparando um presente para quem se quer bem?  Presente e presenteado se confundiriam. Seria um a cara do outro! Aí sim seriam presentes do coração. Não desses que se compra, por vezes de última hora, nas lojas e supermercados. O Natal teria outro sentido. Os olhinhos – mesmo dos adultos – nem piscariam, tamanha a curiosidade. O presente carregaria muito da personalidade de quem o fez. Passados muitos anos, jamais o presenteado esqueceria quem o presenteara. Os presentes se revelariam em elos de afeto, de compromisso, de amizade, de amor. Presentes que valeriam pelo investimento afetivo neles depositado, jamais pelo valor de mercado. Acho que estou ficando velho. Pareço pertencer a outro mundo. Por que os elefantes se afastam ao pressentirem que o fim se aproxima? Ah, antes que esqueça: bom Natal a todos!



sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

O PECADO DO LADO DE BAIXO DO EQUADOR



O PECADO DO LADO DE BAIXO DO EQUADOR
Gilvan
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br



Não existe pecado
Do lado de baixo do Equador
Vamos fazer um pecado
Rasgado, suado
A todo vapor...
(Ney Matogrosso)


                Existe sim, ao contrário do que dizia a letra de uma antiga música, pecado do lado de baixo do Equador, e não são poucos. O principal deles nasce do caldo cultural há muito forjado por estas bandas. O “jeitinho”, a malandragem, a confusão entre o público e o privado, a promiscuidade político-ideológica, são apenas alguns dos tantos exemplos do que se vê por aqui. Discursos não faltam e seguem se multiplicando na velocidade da luz. Apesar da boa oratória, do vernáculo por vezes – muito raramente, é verdade... – bem empregado, não passam de palavras vazias, expressões natimortas, estéreis, incapazes de produzir bons frutos. Não poderia ser diferente, diga-se de passagem, pois pode um cactos produzir tangerinas ou uma mula gerar cordeiros? Um coração mal intencionado não produzirá, de forma alguma, boas ações. Cedo ou tarde, a essência de uma alma eivada de cobiça, egoísmo, inveja e toda espécie de perfídia humana, tal essência – como dizia – vem à tona. É bem verdade que o “pecado” mora também na casa do vizinho. Outras culturas, por mais “nobres” (não necessariamente, “nórdicas”...) que sejam, também convivem com os ranços da natureza adâmica. Todavia, ao que parece, por aqui o “pecado” encontrou terreno excessivamente fértil. O chorume fétido que brota em nosso meio, há muito vem impregnando toda sorte de relações, desde as informais às mais formais. Impregnando e minando. Nasce daí a atávica desconfiança em relação ao outro, seja ele público ou privado. Não basta a palavra, é necessário o papel, devidamente assinado e com firma reconhecida. Por aqui o “não”, às vezes é “sim” e vice-versa. Tudo depende das circunstâncias e dos interesses em jogo. O relativismo exacerbado, e quase sempre boçal, põe por terra toda e qualquer segurança conceitual ou contratual, mesmo que tácito. Feito areia movediça, as relações carecem de firmeza e afundam no lamaçal da dúvida, do ceticismo e da desconfiança. O lado de baixo do Equador é o nosso lado. Meu e teu. Somos vítimas e autores do triste e vergonhoso status que possuímos, cabendo a nós, portanto, modificá-lo. 

sábado, 1 de dezembro de 2012

O MERCADOR



O MERCADOR
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com


                Qual é a ideia que temos ou fazemos de Deus? É comum vermos cristãos (e também os que não o são) tentando como que “negociar” com o Senhor. Como se Deus agisse sobre a vida do homem mediante permuta, escambo ou qualquer outra forma de pagamento. Ora, Deus age sim, porém movido pela Sua misericórdia e amor. Não por aquilo que oferecemos a Ele. Age não pelo que fomos, somos ou seremos. Age por Seu infinito amor. Crer que Deus operará cura, libertação ou qualquer outra espécie de bênção em troca de promessas – por mais sinceras que estas sejam – é atribuir a Ele o papel ou função de “mercador”. É transferir para o plano espiritual os mesmos vícios tão comuns no plano material. É “capitalizar” a relação entre o homem e seu Criador. Deus não é fruto deste ou daquele modo de produção econômico (como dissera, certa feita, Marx). Portanto, “mercantilizar” a relação espiritual soa como algo por demais perigoso e nocivo ao crescimento interior do homem. É um pensar pequeno. Pensar mesquinho. É um pensar que reproduz no plano divino a mesma relação verificada no plano terreno. Relação de medo, de credor-devedor, de vergonha frente às promessas (dívidas) não cumpridas (não pagas). A quem interessa tal relação senão ao inimigo de nossas almas e também aqueles que avolumam riquezas pessoais em detrimento do sofrimento e ingenuidade alheios?

                O amor de Deus pela minha e pela tua vida é incondicional. A misericórdia d’Ele por cada um de nós é imensurável, sem limite, infinita. Daí o fato de ele operar verdadeiros milagres na vida de homens e mulheres que sob o nosso olhar jamais mereceriam sequer o perdão, menos ainda qualquer espécie de benesse por parte do Senhor. Como entender que um parricida, homicida, estuprador, matador em série, corrupto, sequestrador, traficante, violentador de menores, estelionatário e tantos outros praticantes de atos tipificados como crime, mesmo que hediondo, possa receber alguma graça nascida do coração de Deus? Parece injusto e incoerente. Todavia, o que Ele vê, vai muito além daquilo que vemos. O que Ele sonda, extrapola nossa capacidade de compreensão. A essência do perdão de Deus em relação ao mais execrável criminoso é a mesma do perdão d’Ele em relação a cada um de nós. Ele olha para sua criação, para o homem e não para o pecado deste último. Isso faz do Senhor um Ser que ama e, nem por isso, conivente ou omisso em relação às transgressões humanas.

                Precisamos aprender mais da pessoa de Deus. As intempéries de toda sorte (enfermidades, escassez de recursos, violência, depressão, animosidades, crises conjugais, drogadição, etc.) são fruto das ações/omissões humanas. Devem ser compreendidas e resolvidas no plano terreno. Depende, a solução ou mitigação dos problemas, da mudança de postura, de ações concretas, de iniciativas. Esperar que Deus aja no lugar do homem beira a insensatez. Com Ele não se brinca, pois o que o homem semear, também ceifará – diz a Bíblia. Crer em algo distinto é fazer de Deus um mercador, é diminuí-lo em Sua santidade, é limitá-lo em Seu poder, é perder a oportunidade de conhecê-lo e de usufruir do Seu inesgotável amor.  

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

ACOLHIDA: O DESAFIO DA POLÍTICA DE INCLUSÃO



ACOLHIDA: O DESAFIO DA POLÍTICA DE INCLUSÃO
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br


                A famigerada, para alguns malfadada, política de inclusão parece algo já dado. Aparentemente, não se discute. É lei e pronto! Não por acaso, muitas são as instituições de ensino (principalmente, privadas...) que buscam, de alguma, forma – e mediante inúmeras justificativas questionáveis –, burlar o ordenamento jurídico, como forma de resistir à matrícula de pessoas com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. A dita inclusão, sob a ótica de um grande número de educadores, é um pesado, quase insuportável, fardo. Bonita sob o ponto de vista teórico, mas impraticável no dia a dia. Inúmeros são os sindicatos de professores, país a fora, que vêm se mobilizando de forma contrária à referida política governamental. Argumentos não faltam para alimentar a crítica: despreparo dos professores, ausência da família, precariedade física das escolas, escassez de recursos, número excessivo de alunos por turma, descaso com a formação dos educadores, e por aí vai.
                No Brasil, infelizmente, a regra tem sido a tomada de decisões, por parte dos entes públicos, a partir desta ou daquela visão político-partidária. O que deveria ser “política de Estado”, no fundo não passa de “política de governo”, portanto eivada dos vícios típicos dos mais variados matizes ideológicos. Assim, o que deveria ser duradouro e sério, já nasce condenado à crítica de amplos setores da sociedade, quase sempre alijados do processo de discussão e de decisão. Ideias e iniciativas governamentais surgem e desaparecem de forma meteórica. Não fosse o, quase sempre, elevado custo e ignóbil desperdício de dinheiro público, passariam despercebidas. São, muitas vezes, iniciativas que atendem, sobretudo, ao ego e interesses particulares, em prejuízo da coletividade. Cria-se um indisfarçável clima de desconfiança frente a toda e qualquer iniciativa do Executivo ou Legislativo, mesmo que a intenção seja louvável.
                O grande desafio da “política de inclusão” é fazer desta uma “política do acolhimento”. Apesar de alguma similitude, a segunda se mostra mais humana do que a primeira. Esta soa como inserção à força, imposição, do tipo “enfiar goela abaixo”... A “política do acolhimento”, por sua vez, pressupõe convencimento, especialmente de quem acolhe. Ora, se quem acolhe (professor, colegas, a escola como um todo...) estiver convencido acerca da escolha feita, trilhar-se-á meio caminho. Afinal, acolher é desarmar-se. É mostrar-se solícito, pronto para o diálogo, aberto para eventuais mudanças exigidas pelas novas (e antigas!) demandas. Acolher é desacomodar-se, é “largar o queijo” em prol do “outro”. A “política do acolhimento” pressupõe humildade e sinceridade, pois que sem tais valores, toda e qualquer relação, por melhor que seja, está fadada ao fracasso. Acolhimento lembra alteridade, preocupação com o “outro”, comprometimento... Na “política do acolhimento”, o formalismo frio advindo da preocupação (às vezes, falsa) com a lei, dá lugar à brasa ardente da paixão. É fogo que alimenta a resiliência, aquece a alma e aproxima as pessoas, apesar (e principalmente por causa delas) das diferenças. Estas, sob a ótica da “política do acolhimento”, são, não um estorvo a ser afastado, mas matéria-prima para um conviver sadio e fraterno. 

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

LAMBENDO SABÃO



LAMBENDO SABÃO
Gilvan
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br


                Dia desses, flagrei uma amiga usando a expressão “lamber sabão”. Desacostumado a esta, inquiri o significado. Disse que a usara como sinônimo de liberdade de opinião: “cada um tem a sua!”. Intrigado, apelei para a internet e logo encontrei uma significativa quantidade de explicações para a referida expressão. Muito antiga, ela normalmente vem sendo usada como reprimenda a algum incauto de “boca-suja”, familiarizado ao uso de palavras de baixo calão.

                A alegada “pós-modernidade”, por estas bandas, tem engendrado uma interminável quantidade de mudanças na forma de vestir, de andar, de cultuar, de se portar, de falar... Mudanças quantitativas e qualitativas. Superficiais e profundas. Específicas e genéricas. Muitas mudanças. Não é incomum, jovens usarem de expressões verbais chulas e, segundo os mais “velhos”, ofensivas e desrespeitosas. O que noutros tempos era agressivo, hoje por vezes é sinônimo de amizade e cumplicidade. O mesmo “foda-se” que ofende é, noutro contexto, sinal de pertencimento à tribo. Vá entender! Tudo depende de quem fala, para quem fala e por que fala! Depende, também, vez por outra, de quando e onde fala. Noutras palavras, o problema, aparentemente, não está na palavra em si, mas na relação que se estabelece entre os sujeitos que falam. Será?

                O velho Juca já dizia – parafraseando as Santas Escrituras – que a boca diz aquilo que está cheio o coração. Assim, palavras duras denunciam um coração rancoroso, enquanto palavras dóceis refletem um coração cheio de amor. É o que dizia meu avô. Exageros à parte, é inegável que as gerações mais novas – em grande parte – parecem desconhecer mais do que uma ou duas dezenas de expressões. Além de excessivamente limitado, o vocabulário se mostra absurdamente tosco. Coisa de causar espanto até no mais distante neandertal. O “uga-uga” deu lugar ao “pô meu!”. Acrescenta-se ao vocabulário um “caralho”, um “merda”, um “porra” e um “saca só”, e pronto! Temos um glossário quase completo do linguajar ultramoderno. É de doer. Pior então, é quando a gurizada inventa de escrever. Aí as “expressões” acima ficam mais “simples” ainda. Viram um “kct”, um “mrda”, um “pqp” e por aí vai. Mal ou bem (quase sempre, muito bem...), os jovens se entendem. Nós, os mais velhos, é que não os entendemos.

                Falso moralismo de lado, preocupa a lastimável miséria do vocabulário hodierno de nossa juventude. Pobreza não apenas de letras, mas de sentimentos. A palavra é como o invólucro destes últimos. Grandes sentimentos não cabem em expressões de tamanha irrelevância. Joias preciosas (e os sentimentos o são) devem ser guardadas em locais apropriados, da mesma forma que vinhos bons devem ocupar odres novos. A carestia, hoje, é tanto dos bons vinhos e preciosas joias, quanto dos odres novos e porta-joias adequados. Carece-se também de sentimentos nobres e palavras boas. Mais do que nunca, urge que muitos lambam sabão. Haja sabão, é verdade! Mais difícil, contudo, é achar pessoas dispostas a mandar seus filhos, amigos e alunos lamberem sabão. Complexo e desafiador exercício de autoridade. É nadar contra a maré, pois que politicamente incorreto. Não é fácil dar a cara ao tapa, ainda mais quando tanto a cara quanto o tapa se propagam na velocidade da luz por meio das redes sociais. Apesar do risco, alguém precisa dizer aos jovens (e não jovens...): vão lamber sabão!   


quarta-feira, 14 de novembro de 2012

PUNTA E A PONTE



PUNTA E A PONTE
Gilvan
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br



                Feriado à vista, hora de viajar... Para alguns, é claro. Uma minoria, como minha amiga que irá para Punta. Eu, ao contrário, não transporei a Ponte. Punta e Ponte. Apesar da proximidade gráfica e fonética, realidades díspares. A primeira, o paraíso dos turistas. A última, o inferno de Dante. Enquanto para aquelas bandas do Uruguai reina, ao lado do sol, o dólar, uma boa Norteña e um bocado de corpos esculturais, por aqui o que sobra é indignação, aumento das passagens e uma avenida permanentemente engarrafada a cortar a cidade. Lá por Punta, sorrisos e a gorjeta correndo solta por entre as mãos dos garçons. Por aqui, o endividamento do Município e a demonização dos servidores (a estes, nem as gorjetas...), como se fossem o vilão da história. Lá em Punta, cassinos por toda parte, enchendo os bolsos dos empresários e os cofres públicos. Por aqui, sobra moralismo, enquanto escasseiam recursos e prolifera a marginalidade. Por lá, comércio abarrotado de gente, saindo pelo “ladrão”. Por aqui, meia dúzia de lojas ameaçadas, também (vejam só!), pelo ladrão. Trocadilhos à parte, a realidade na terra da Ponte é de chorar. Lá em Punta é de rir. Por lá, praias paradisíacas. Por aqui, nem praia, nem paraíso, nem sequer sombra ou água fresca. Esta última, além de quente, é cara. Muito cara. Como o é a luz, o combustível, o transporte (de novo!), o pão, o leite... Por aqui, na Ponte, paga-se caro, come-se mal e vive-se pior ainda. Só não se mora, ainda, embaixo da Ponte porque não dá. Faltaria lugar. Quem vai à Punta tem o Puerto, Casapueblo, Playa Mansa, Museo del Mar... Quem fica tem... tem... tem o quê mesmo? Ah, tem o Parcão e o Shopping do Vale (caso não tenha fechado). Tá bom, cinco dias no ano tem, ainda, a Casa do Leite! Punta e a Ponte. O que é a distância física comparada à distância de qualidade de vida, infraestrutura, lazer, segurança, hotelaria, paisagística? O que são pouco mais de setecentos quilômetros comparado à estratosférica diferença entre o que se tem por lá e o que se tem por aqui? Por lá, o Rio da Prata, por aqui o Gravataí. Querem mais? É, o balneário no departamento de Maldonado parece coisa de outro planeta. Os “descendentes” de Don Francisco Aguilar, eles são os “ETs”. Os de cá, os da Ponte, somos – ao contrário – o centro do universo. Ironias à parte, ao que parece os “herdeiros” do Coronel João Baptista Soares da Silveira e Souza Sobrinho ficaram com a lentilha, enquanto os de lá, os de Punta ficaram com tudo o mais. Eles, Jacó. Nós, Esaú. Eles, Punta. Nós, bom... só nos resta a Ponte. Boa viagem minha amiga!



terça-feira, 13 de novembro de 2012

JUVENTUDE EM AÇÃO



JUVENTUDE EM AÇÃO
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br



                Esperança. Não está morto quem peleia, tchê! A Juventude em Ação está mais viva do que nunca, fazendo (re)nascer uma fagulha de esperança. Como professor, vejo com profunda preocupação a flagrante apatia dos jovens no que tange à efetiva participação nos desígnios de nosso Município. Além de parca, tem sido uma participação de tez partidária. As poucas lideranças que nascem nos movimentos acabam por lançar mão das mesmas práticas que há pouco condenavam. São facilmente cooptados, afastando-se das utopias em troca de um que outro aparente privilégio. Viram a “casaca”, e de ferrenhos opositores se tornam cabos eleitorais, não sem antes terem “mamado” nas já conhecidas tetas do poder. Sonhos são abandonados em troca de algumas moedas advindas do status de estagiário nesta ou naquela repartição pública. Agressor e vítima confraternizam, a ponto da última ver no primeiro não mais um inimigo a ser combatido, mas sim um modelo a ser seguido. A arapuca tem o seu preço. Arrefece-se a paixão pela causa e perpetuam-se as desigualdades. O sopro da necessária e salutar subversão, matéria-prima das grandes transformações, esvanece.

                Há de se elogiar, portanto, a Juventude em Ação. Talvez, um que outro “mas”. Vocabulário às vezes chulo, ofensas pessoais, algumas estratégias quiçá equivocadas... Nada, contudo, que apague o brilho e importância da iniciativa. Há muito que não se via por estas bandas um movimento tão genuíno e original. Jovens fazendo da rua o grande laboratório da práxis libertária e dando real sentido a termos até então engessados pelo discurso acadêmico e morno (para não dizer, “morto”) das instituições de ensino. Cidadania, democracia, inclusão, igualdade, ética... Expressões que ganham vida. Desejo que a Juventude em Ação não se deixe prostituir pelos holofotes e pelo canto enganoso das sereias. Não se venda e nem tampouco se renda ao individualismo egoísta. Seja o “coletivo” a sua bandeira. Use de sua energia para canalizar as demandas que nascem de uma distribuição ignóbil da renda. Represente como que uma poderosa força centrípeta das mais diversas forças vivas da sociedade. A Juventude em Ação pode, num futuro nem tão distante, ser um importante – talvez o principal – movimento de articulação dos “sem vez e sem voz”. Para tanto, necessário é que ela se debruce na reflexão, na discussão, no tensionamento, no poder da palavra e, sobretudo, na ação, pois que é esta última que tem emprestado não apenas o nome ao movimento, mas tem sido o seu próprio norte.

               












FALÊNCIA DO ESTADO E REAÇÃO SOCIAL



FALÊNCIA DO ESTADO E REAÇÃO SOCIAL
Gilvan Teixeira
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br


                Há muito venho apontando para os inegáveis sinais da falência do Estado brasileiro. Não que noutros tempos ele tenha sido “saudável”, confiável, seguro ante os olhos de seus “acionistas” (contribuintes). A diferença está, digamos... na aparência. Outrora, o Estado parecia forte, inspirava alguma confiança, nem que por parte dos mais ricos ou dos mais alienados. Hoje, contudo, o Estado sequer tem conseguido salvar as aparências. Lembro que há duas ou três décadas atrás algumas vozes se levantaram em favor da dita “pena de morte”. Por quê? Não por acaso, o título deste singelo texto traz primeiro a “falência do Estado” e, na sequência, portanto somente depois, a “reação social”. Ora, a defesa de medidas extremas só ganha força quando da existência de um contexto que as justifique, pois que do contrário, as teses mais radicais acabam por cair por terra.

                O Estado brasileiro, em todas suas formas (Executivo, Legislativo e Judiciário) e esferas (federal, estadual e municipal) se vê envolto em sérios problemas: falta de credibilidade, morosidade, ineficiência, corrupção, abuso de poder, ingerência indevida, alto custo, entre tantos outros. Criou-se um perigoso e pérfido “caldo cultural”, onde importantes valores – como a honestidade, o trabalho, a ética, a verdade, o sentimento de justiça, etc. – há muito vêm sendo preteridos em favor da malandragem, do “jeitinho”, do lucro fácil, do hedonismo exacerbado e do relativismo irresponsável, por exemplo. Um “caldo” que alimenta corruptos e corruptores, viciados e traficantes, aliciados e aliciadores. Um “caldo” que funciona como pá de cal às virtudes, fazendo destas últimas uma exceção, quando deveriam ser a regra. Ao criminoso os benesses de uma legislação ultrapassada, onde viceja a injustiça. Perdem quase todos, enquanto poucos ganham. Perde a sociedade como um todo, ganha o criminoso. Sai no prejuízo o contribuinte, enquanto a indústria do “recurso protelatório” enriquece alguns escritórios advocatícios. O medo impera nas ruas, muitas destas tomadas por viciados, bêbados irresponsáveis, gangues, pichadores, quadrilhas, assassinos, larápios de toda sorte. A polícia, quando prende, se vê desmoralizada pela prática corriqueira da malfadada liberdade provisória, do semiaberto, da fuga, das medidas “compensatórias”. O garantismo tem servido de eufemismo para impunidade. A mensagem que fica parece clara: no Brasil, parece valer a pena traficar, roubar, corromper e matar. Parece valer a pena apropriar-se de bem alheio, desviar recursos públicos, lançar mão de meios fraudulentos para obter sucesso em licitações e assim por diante. O risco é pequeno, e enorme é a probabilidade de se sair impune. Enquanto isso, vegeta a saúde, fracassa o ensino e preocupa a segurança. Serviço público, no Brasil, tem sido sinônimo de ineficiência e desconfiança.

                O cidadão tem o direito de se defender, defender sua família e seu patrimônio. Direito este não apenas legal, mas ético. É um direito básico, portanto anterior à própria lei. Esta, por sinal, é um fenômeno temporal, portanto histórico, ao contrário dos princípios éticos, que são atemporais. Assim, ao contrário do que apregoam alguns, a própria Constituição não pode ser colocada acima da ética. Ora, a “pena de morte”, em que pese ser questionável sua aplicação, revela como que o “basta” dado pelo grupo social aos que ofendem grave e irremediavelmente os princípios mais caros da ética. No Brasil, tal pena está fora de cogitação, pois que não encontra guarida no ordenamento jurídico. Ainda que tivesse previsão legal, sua aplicabilidade seria temerária, dada a incapacidade do Estado brasileiro em inspirar confiança em suas ações. O que fazer então? Ao que parece, são poucas as alternativas. Talvez a longuíssimo prazo, tipo... a perder de vista, aumente o número delas. Todavia, as questões postas em jogo não podem mais esperar, especialmente a segurança. Esta requer medidas imediatas, urgentes. Ou somos nós, ou é o criminoso. Ou é nossa família, ou é o bandido. Este, por certo, não guardará o tempo necessário para que as hipotéticas ações do Poder Público venham a dar resultado. O criminoso tirará a nossa vida e de nossos entes queridos sem dó e nem piedade. Sem pestanejar – muito provavelmente, embalado pelos efeitos das drogas –, ele roubará, matará, estuprará, sequestrará, abusará sem pensar duas vezes. A segurança e a vida de nossas crianças, jovens, esposas e companheiras, idosos, depende de nós. Aguardar pelo Estado é assinar o atestado de óbito de quem queremos bem. A sociedade precisa reagir com rigor, de forma extrema, até que o Estado se mostre capaz de dar conta daquilo que é de sua obrigação. Portanto, mais do que nunca é necessário que se denuncie. A sociedade precisa “atormentar” aqueles que hoje a atormentam. Associações de moradores devem se mobilizar, achar formas e disponibilizar recursos para garantir a segurança. A casa arrombada de um, deve ser encarado como problema de todos. O assassinato de um pai de família inocente e trabalhador ou a brutalidade contra o jovem de boa índole devem ser problema de todos. Cabe a estes, portanto, a tomada de providências. Fazer o que o Poder Público há muito tem deixado de fazer (se é que o fez algum dia...). Justiça com as próprias mãos? Talvez. Barbárie não maior do que a que hoje se tem. Alguma dúvida de que vivemos a lei da selva? Pior do que isso. Além de bárbara, muito cara. Paga-se incontáveis quantias para, estarrecidos, ver os corpos de quem amamos apertados em ataúdes. Corpos desfigurados pela violência. Paga-se caro pelos discursos politicamente corretos, porém estéreis, sem qualquer efeito prático. Paga-se caro pelo legalismo que alimenta um Judiciário corporativista, insensível, embasbacado em meio a oratórias recheadas de uma língua morta. Paga-se caro pela morosidade dos processos, pelas demandas não julgadas em tempo oportuno. Paga-se caro por uma burocracia insana que zomba do trabalhador pobre. Onde está o Direito? Onde está o Estado de Direito? Direito de quem e para quem? O Estado não é confiável. Tem sido um fim em si mesmo. Existe para garantir conchavos políticos e estabilidade para uma infinidade de gente. Um custo imensurável, com efeitos catastróficos para o presente e futuro do país. Aprendi que quem paga mal, paga duas vezes. Historicamente, tem-se pago mal neste país. Paga-se, portanto, duas vezes. A classe média (existe?), por exemplo, paga previdência pública e privada, segurança pública e privada, saúde pública e privada... A pública, em regra, esquece! A privada, em regra, a cada dia se torna mais precária. Resta, portanto, ao cidadão um último fio de esperança, a reação desesperada de quem luta pela coisa mais elementar do ser humano: a vida. Esta se encontra em perigo. Agoniza em leito de morte. Diante da falência do Estado, a reação social!

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

ENIGMA



ENIGMA
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br


Eis que a primavera corria solta em direção ao caloroso abraço do verão. Mal começara novembro e a sensação era de final de ano. Natal, Réveillon, férias, praia... Por mais que resistisse, bem sabia que antes do apagar das luzes de dois mil e doze, algumas pendências precisavam ser resolvidas. Passar de ano era uma delas.

Sentia-se pressionado. Química, Física, Matemática, Geografia... Provas e mais provas. Teria de enfrentar, ainda, ENEM, simulados, vestibular aqui e acolá. Família, tios, primos, amigos e até o cachorro, todos pareciam cobrá-lo. Tão cruel quanto à cobrança explícita, era aquela outra, a que se dava nas entrelinhas. Indiretas, olhares de canto, gestos suspeitos, sorrisos estreitos. Deboche ou exagero? A mais pura verdade ou peraltices de uma mente com mania de perseguição? O fato é que sofria. Sim, padecia por ele e pelos outros. Tinha clareza do quanto era sofrível para os pais pagarem a mensalidade. Quase um carro por ano! Mesmo que usado, era um valor e tanto. Pesava no orçamento e na consciência. Não pensassem fosse ele um insensível alienado. Doía-lhe lembrar que o carnê da escola descansava com tantos outros no fundo da gaveta, engrossando dívidas e endossando uma crise conjugal que parecia não ter fim.  

Tudo a sua volta parecia conspirar. O sono, há algum tempo não o visitava e quando o fazia, era inoportuno. As noites eram regadas a Coca-Cola e Trakinas. O latido dos cães ao longe misturava-se ao tec-tec do teclado. Verdadeiro zumbi. Uma multidão deles. Velhos, jovens, crianças... Homens, mulheres... Sarados, doentes... Comunicava-se com muitos, tudo ao mesmo tempo. Era um “comunicar” inteligível, apesar de imperfeito. Junto com a madrugada, avançavam também os ponteiros do velho relógio, herança da avó, pendurado ao fundo do corredor. Duas horas da manhã e nada de conseguir dormir. Logo viria o arrependimento, feito algoz, a cobrar cada minuto de sono perdido.

Um, dois períodos... Era o tempo que levava para, finalmente, se dar conta que a aula começara. Depois de recebida a falta por não ter respondido a chamada e após meia dúzia de reclamações do professor, aí sim o galo parecia cantar. Zoavam dele.  Sua distração era motivo de chacota. Engraçado para os colegas, irritante para os professores. Era tido por desleixado, preguiçoso, “largado”... O caderno por si já denunciava a quanto ia a vida do sujeito. Alguns rabiscos e nada mais. Temas incompletos, textos pela metade, provas não assinadas... Tinha de tudo naquela bagunça. Outro dia, uma professora jurara de pés juntos que vira uma traça a corroer, faceira, a capa do caderno do aluno. Ia de mal a pior.

Dias intermináveis os que, de um tempo para cá, vivia. Ganhara peso, assim como uma permanente tristeza. O olhar já há algum tempo não apresentava aquele brilho de outrora. A mãe já observara! Falara dos olhos caídos do guri (ora, já era quase um homem...). Drogas? Não. Paixão? Muito menos. A simples hipótese de uma depressão, mesmo que leve,  já mobilizara toda a família. Psicólogo, terapia familiar, até terreiro de umbanda. Nada dele recobrar o antigo sorriso e a tez do passado. Fora os gastos, nada mais. Sentia-se um verme, um nada!  

Enquanto isso, o tempo seguia sem dar trégua. As fatídicas datas das provas e entrega de trabalhos iam chegando, feito turbilhão. Com a proximidade do término do ano letivo, ia diminuindo a margem do jeitinho e da enganação. As manobras de antes já não encontravam eco. A hora da verdade chegava a passos largos. Com ela, o medo da reprovação. A reprimenda dos pais, as inevitáveis sanções, a crítica dos avós, a troca de escola, a distância dos amigos... O mundo parecia ter sido injusto e cruel com ele. A primavera, indiferente, seguia seu curso em direção à próxima estação!

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

OS MODELOS DE PRODUÇÃO INDUSTRIAL



OS MODELOS DE PRODUÇÃO INDUSTRIAL
Prof. Gilvan
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br


                A indústria, ao longo da história, passou por três grandes fases. A primeira delas foi a do “Artesanato” (até o século XV). Esteve marcada, entre outras características, pela inexistência da divisão de trabalho, pois o trabalhador (artesão) era responsável por todas as etapas da produção. Outra característica importante de tal fase era a inexistência de máquinas, sendo que o artesão contava tão-somente com ferramentas. A produção era bastante limitada, exigindo uma pequena quantidade de matéria-prima, com pouco impacto ambiental. A segunda fase da indústria foi a da “Manufatura” (entre os séculos XV e XVIII), fase esta marcada pelo início da divisão do trabalho. Apesar de ainda não ser rígida, já se percebia uma certa distribuição de tarefas. É a fase onde surgem algumas máquinas rudimentares, servindo as mesmas de força “complementar” ao trabalho humano. Há o aumento da produção e uma maior exigência de matéria-prima, sem contudo representar um impacto significativo ao meio ambiente. A terceira e última fase é chamada de “Indústria Moderna” (a partir de meados do século XVIII). Tal fase pode ser subdividida, por sua vez, em três: Primeira (1750 – 1860), Segunda (1860 – 1970) e Terceira (1970 - ...) Revoluções Industriais. A última fase da indústria é marcada pela intensa divisão do trabalho, pelo extraordinário aumento da produção (com enorme impacto ambiental) e pela importância da máquina (passa a ser o “centro” do processo produtivo).

                Durante a fase da Indústria Moderna, merecem destaque alguns “modelos de produção industrial”. O taylorismo, por exemplo, marcou o início do século XX. Caracterizou-se por ser essencialmente teórico, influenciando outro modelo, qual seja, o chamado fordismo. O taylorismo-fordismo trazia entre suas características: a especialização, o monitoramento do tempo gasto na produção, a premiação (a ideia era produzir mais no menor tempo possível), e a supremacia dos métodos científicos (já comprovadamente funcional, viável e lucrativo) em relação aos empíricos. Henry Ford buscou colocar em prática a teoria de Taylor. Adotou a chamada “linha de montagem”, focando na produção em massa, produção esta pautada na padronização e simplificação. Outra característica do fordismo era a chamada “verticalização” da produção, onde a empresa buscava depender o mínimo possível de “terceiros” durante o processo produtivo. Assim, por exemplo, a indústria Ford (o auge do fordismo se deu entre 1945 e 1968), era responsável desde o plantio da seringueira (matéria-prima da borracha) até a produção do ferro necessário na linha de montagem do automóvel.

                Outro modelo de produção industrial é o chamado toyotismo. Tal modelo nasceu no Japão (década de 1970, portanto já na Terceira Revolução Industrial) e só pode ser compreendido dentro de um determinado contexto histórico. Ora, os nipônicos ainda se recuperavam das tristes consequências da Segunda Guerra (1939-1945), sendo o Japão um país com escassez de matérias-primas. Ora, o país não podia portanto se dar ao luxo de uma produção nos mesmos moldes apregoados pelo fordismo. Ao contrário, mister é que focasse numa produção que fosse “enxuta” e otimizada. Daí nasce a ideia do “just-in-time”, ou seja uma produção programada, organizada, voltada à racionalização dos estoques e matérias-primas. O toyotismo nasce numa época em que a informática e a robótica ganham força, sendo marcado ainda pela multifuncionalização do trabalhador. Ao contrário do fordismo – onde o operário se atinha a uma só função –, o toyotismo valoriza o profissional dinâmico, versátil, adaptável às necessidades do mercado. Outra característica deste modelo é a preocupação com a qualidade (já o fordismo partia da ideia de um “controle por amostragem”, portanto muito limitado), bem com a personalização do produto, prática esta em conformidade com o significativo aumento do grau de exigência do consumidor.

                Finalmente, outro modelo a ser destacado é o volvismo. Surgido no ocaso do século XX (na Suécia), tal modelo tem como principais características a busca de uma, por assim dizer, “conciliação” entre o passado e o que há de mais moderno. É um modelo assentado na preocupação com a qualidade não apenas do produto, mas de quem o produz. A criatividade e o trabalho coletivo ganham força.  

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

ESPINHOS QUE FALAM



ESPINHOS QUE FALAM
Gilvan
e-mail: profpreto@gmail


                Gosto de falar sobre rosas. Elas espinham, mas principalmente encantam. São singulares e nobres. Acima de tudo belas. Tamanha beleza nasce, talvez, da altivez própria das rosas. Altivas, mas sem prepotência, sem arrogância. Espinham, porém não espezinham. Machucam a carne, mas envaidecem o espírito. São espinhos de um tipo único, especial. Espinhos que falam direto à alma, ao coração. Dispensam palavras, textos bem elaborados ou vocábulos pedantes. Falam por si só. Falam direta e abertamente. Envoltos em silêncio ou permeados por música, os espinhos das rosas são como notas musicais. Perfeitos, completos. Basta um pouco de poesia e de sensibilidade e as notas (digo, espinhos!), de per si, tratam de fazer o resto, como que por encanto. Na simplicidade dos espinhos descansa parte, talvez toda, beleza das rosas. Espinhos que ensinam, que admoestam, que nos fazem lembrar o quanto, ainda, somos humanos. Uma vez que nos espetam, desencadeiam reações das mais díspares e adversas. Reações visceralmente humanas. Vão da raiva ao amor e da dor ao êxtase. Reações contraditórias? Absolutamente. Apenas humanas. Os espinhos das rosas nos despertam para nossa inafastável carnalidade. Por isso somos especiais. É o que nos aproxima, nos familiariza. O sangue que brota da ação dos espinhos nos traz para realidade, nem que por ínfimo instante. Breve, mas rico momento. Lapso de tempo onde flui a humildade, mesmo que forçada. Faz lembrar nossa temporalidade e transitoriedade. Aniquila nossa espiritualidade? Nada disso, a reforça. Os espinhos das rosas são, portanto, proféticos. Falam de dias vindouros. São o limite entre o que somos e o que desejamos ser. Entre nossos vícios e nossos desejos. Nossas deficiências e nossas utopias. Os espinhos das rosas trazem o poder da subversão, da mudança, da reação. Trazem, também, o DNA da esperança. Os espinhos, na sua aparente rudeza, denotam a proteção das rosas. O que seria destas sem seus espinhos? O que seria de nós sem as rosas? 

MEQUETREFE



MEQUETREFE
Gilvan
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br


                Neste país, ninguém gosta de ser mequetrefe. Nossa “cultura” espezinha, joga às traças e lança no mais absoluto ostracismo o sujeito mequetrefe. Por aqui, o dinheiro empodera o indivíduo. Quem não o tem, precisa – ao menos – fazer de conta que o possui. Tal jogo de aparências tem se mostrado essencial no acúmulo do capital, onde poucos ganham muito, enquanto a maioria... Bom, a maioria tenta fugir à pecha de mequetrefe. Na terrinha onde o malandro é tido por herói, pouco importa a real condição do sujeito (sujeito de quê?). O que vale é acompanhar as novas tendências e tornar público as últimas aquisições. Vende-se a alma pelo celular, iPod, videogame, par de sapatos, bolsa, etecetera e tal. Tudo, de preferência, no plural. Não basta “um” para dar conta de tamanho ego. Produz-se, assim, não apenas lixo e mais lixo industrial, mas também humano. Figuras movidas pela incontrolável necessidade de ter, possuir, parecer... Mesmo que, para tanto, comprometam meses, anos, do já parco orçamento doméstico. O mais irônico é que o vazio existencial tem se mostrado diretamente proporcional ao número de prestações a serem pagas. O que era encanto, vira desespero e sentimento de culpa. Para expiá-la, entra-se num pérfido ciclo vicioso, onde novas aquisições são feitas e, com elas, dívidas e mais dívidas contraídas. Burro sim, mequetrefe jamais. O temor de parecer mequetrefe, mesmo o sendo, é tão grande que tudo parece valer a pena. Inclusive o crime, a perfídia, o engodo, a apropriação indébita, a traição. O que é a tênue e hipotética sanção penal frente à óbvia e certa invisibilidade social? Ninguém gosta de ser mequetrefe. Salvo, é claro, em momentos ímpares, como aquele amplamente divulgado pelos mais diversos órgãos de imprensa, onde o próprio advogado de defesa de uma das rés alegou ser sua cliente uma personagem mequetrefe na engrenagem por hora apresentada. A ré deve ter se revolvido na cadeira. Mequetrefe? Antes a condenação do que o vergonhoso adjetivo. O que vale uma vida sem as aparências? A expressão do defensor deve ter calado fundo, doído no rim. A acusada deve ter desejado, naquele momento, a morte. Sim, dela e do advogado, pago, muito provavelmente, a peso de ouro. Não deve ter dormido naquela noite e, nem tampouco, nas seguintes. O que pensaria sua família, amigos, colegas, subalternos... O que diriam os outros? Mequetrefe. O termo, feito corvo a comer o fígado de Prometeu, deveria soar como cravo nas mãos (não de Cristo, posto que tal comparação seria por demais indigna...) do crucificado. Pior ainda era ver o vocábulo sair, a posteriori, da boca do insigne ministro do mais elevado Tribunal do país. Inteligente o magistrado. Feito instrumento de tortura medieval, a palavra deve ter produzido na ré lancinante dor. Mequetrefe. Preferiria ela ter sido, quiçá recebido um “culpada!”, “condenada!”, mas não “mequetrefe!”. A estratégia da defesa surtira resultado? Só o tempo o dirá. O certo, contudo, é que o termo “mequetrefe” saiu do rol das expressões obscuras e desconhecidas, passando a ser um sinal de esperança em dias melhores, dias em que os reais e nobres valores se sobreponham à enganosa cultura fundada nas aparências, nos “jeitinhos”, dias onde a honradez e a ética jamais cedam lugar aos caprichos individuais, dias em que mequetrefes sejam tão somente aqueles que olvidam o interesse verdadeiramente público e coletivo.   

quinta-feira, 25 de outubro de 2012



ZÉ LOUCO
Gilvan
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br



                Era guri e o Zé Louco já perambulava pelas ruas e avenidas de Cachoeirinha. Figura folclórica, desafia o tempo, pois que este passa e o Zé parece não envelhecer. Segue tão maltrapilho quanto simpático. A Providência, sempre divina, não o abandona. Por ironia, vão-se os ricos, os doutores, os “coronéis”, as beatas da cidade, e o Zé Louco segue mais vivo do que nunca. Faça sol ou faça chuva, a figuraça transita pelas calçadas. Cata daqui, cata dali, vai driblando com maestria a dureza aparente que a vida lhe reservou. Apesar disso, é duvidar, lá está o Zé Louco a abrir o largo sorriso. Gargalhada solta, entremeada com os já conhecidos gritos e malcriações saídas daquela boca. Mesmo assim, a ninguém escandaliza e nem tampouco incomoda. Ao contrário. Mesmo os mais puritanos não ousam condená-lo. O que seria de Cachoeirinha sem o Zé Louco? Vão-se os vereadores, secretários, prefeitos... fique o Zé. Faz parte da história do Município. Ao lado da antiga ponte, do Mato do Julho, da Casa do Leite, da fazenda Ritter, ele faz lembrar um passado “romântico” da cidade. O Zé é, talvez a única, unanimidade. Era se candidatar, batata, estaria eleito! Por certo, as “forças ocultas” logo suscitariam a impugnação de seu nome. Não suportariam a enxurrada de votos e nem tampouco o tapa de luvas de pelica. Talvez o Zé Louco os incomode. Talvez represente, ainda, a mais genuína forma de personificação das profundas contradições e paradoxos criados e perpetuados em Cachoeirinha. Abandono, exclusão, indiferença... No fundo, o Zé é cada um de nós, os que trabalham, os que sentem frio, fome, os que se sentem abandonados e esquecidos, os sem vez e sem voz. É, quem sabe, uma figura subversiva. Subverte ao escancarar as mazelas que, feito cupim, corroem por dentro. As perfumarias, os penduricalhos, os históricos “ajeitamentos” levados a cabo por sucessivas administrações até que tentam esconder a fragilidade existente, mas não tem jeito. Ela aflora. Mais cedo ou mais tarde, com maior ou menor intensidade, a maldita fragilidade aparece, sob a forma do tráfico, da violência, da prostituição infanto-juvenil, das enchentes, do colapso no trânsito, da precariedade das escolas, dos míseros tostões pagos aos servidores, da arbitrariedade do Estado, da carestia... Como cupim, as mazelas por vezes “agem” às escondidas, porém seguem corroendo. O Zé Louco, figura emblemática, ao rir, talvez o faça de nós. Quiçá, divirta-se com nossa insignificância, prepotência e arrogância. Ele, espero, nos perdoe pela flagrante incapacidade de enxergarmos pouco além do umbigo e muito aquém do necessário. O Zé é o espelho de Cachoeirinha, não daquela que cerra os próprios olhos frente às injustiças, mas da Cachoeirinha que trago nas lembranças de guri, simples, porém, romântica.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

O PERFEITO IDIOTA



O PERFEITO IDIOTA
Gilvan Teixeira
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br

                Sentia-se o perfeito idiota. Talvez, caso único em Tupiniquim, país com duas centenas de milhões de pessoas. Idiota, só ele. Todo o Tupiniquim parara para assistir o último capítulo da novela das nove. Ele não. Todos no país curtiam futebol e pulavam carnaval. O idiota, ao contrário, preferia manter-se longe de tamanhos prazeres. Enquanto ou outros tinham os nomes de artistas e personagens na ponta da língua, ele por sua vez não conseguia esconder sua mais absoluta e profunda alienação. Nas rodas de amigo, enquanto o assunto fluía – “viste quem matou Fulano?”, “e aquela bola, heim? Não entrou...” –, o idiota ficava lá, como que embasbacado, jogado a um canto. A memória do coitado era de dar dó. As pistas e charadinhas de nada adiantavam. “Sabe aquela que fez o papel de Beltrana na novela das duas, a mesma que era casada com o saradão da novela das sete, que por sinal era o vilão na das nove e dirigiu a novela das onze...”. Vã tentativa. O idiota, com cara de mais idiota ainda, deixava às claras seu desconhecimento acerca dos babados da hora. Lembrava do passado, dos presidentes, senadores, deputados, governadores, prefeitos, vereadores, dos conchavos e negociatas, dos escândalos políticos, das trocas de moeda, dos altos índices inflacionários e elevadas taxas de juros, da censura, dos atentados, dos indicadores econômicos, de algumas siglas (PIB, IDH, IDEB, IPC...). Contudo, acerca das novelas que saltavam da telinha, nada, absolutamente nada! Verdadeiro idiota. Conhecia gêneros musicais, falava fluentemente cinco idiomas, interpretava os mais diversos textos – herméticos que fossem –, escrevia com desenvoltura, mas mostrava-se incapaz de responder o nome da telenovela que passara há mais de década atrás e fora “remixada” (requentada, segundo o idiota!), com novos traseiros, seios mais avantajados (siliconados, acusava o pobre coitado!), e diálogos cada vez mais curtos, afinal que voltada a um público cada vez mais acurado intelectualmente. O idiota não conseguia entender como o antigo pudor sucumbira frente às cenas de sexo explícito em pleno horário nobre. Menos ainda, entendia ele, como que – feitos zumbis –, homens, mulheres, crianças e idosos se prostravam diante da tela, como que a lhe reverenciar. Entronizada, lá estava ela: de plasma, LCD, LED... Grande, muito grande, enorme... Não entendia o idiota que os tempos eram outros. Acreditava, inocentemente (todo idiota é inocente!), que a leitura, o bom vocabulário, o fino trato ainda teriam lugar neste mundo, nem que fosse em Tupiniquim. Não queria crer que a imagem de dois corpos a se esfregarem libidinosa e impudicamente em público, ou uma verborreia ofensiva, recheada de palavrões, pudessem tomar o lugar da poesia, do amor, do respeito... Perfeito idiota. Sujeito fora de seu tempo, descontextualizado, ultrapassado, alienado. Tupiniquim, em que pese à existência (resistência!) do idiota, precisava seguir adiante, no rumo do progresso e da modernidade.

Leia mais:
http://www.tribunadecachoeirinha.com.br/
(edição de 16 a 31 de outubro de 2012). 

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

FUNDAMENTALISMO LEGISLATIVO



FUNDAMENTALISMO LEGISLATIVO
Gilvan Teixeira
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br


                Inacreditável! Talvez seja a expressão que melhor resuma meu sentimento. Quiçá, possa ser substituída por outras, como “indignação”, “revolta”, “asco”... Enfim, muitos são os vocábulos que poderiam achar guarida neste singelo texto. Multiplicá-los de pouco adiantaria, pois que nada compreensíveis para maioria dos que legislam neste município. Assisti, estupefato, alguns vereadores de Cachoeirinha fazendo da tribuna verdadeiro púlpito da pior espécie. Irresponsavelmente, usando do nome de Deus para esquivar-se de práticas político-partidárias vergonhosas e mesquinhas. Defendiam-se (é o que alegavam...) das acusações do Gaúcho Ateu. Até então desconhecido por este autor, o rapaz de codinome estranho tem usado os meios eletrônicos para explicitar seu descontentamento com o Legislativo municipal. Apesar, talvez, de alguns excessos do Gaúcho, é inconcebível a fala de determinados homens públicos. Pautar a importância de alguém sobre o credo, ou quiçá a falta dele, é demasiadamente estúpido. Vincular o “grau” de cidadania a determinada placa de igreja denota falta de bom senso e verdadeiro atentado aos princípios mais elementares do ordenamento jurídico. Não se deve medir o sujeito a partir de sua crença ou ceticismo. Vale lembrar que a crítica do Gaúcho Ateu tem como nascedouro a indignação que move qualquer sujeito de bem, independentemente de seu matiz religioso. É, por certo, uma reação natural e necessária frente a um Legislativo historicamente marcado pelo despreparo, apadrinhamento, defesa de interesses espúrios, negociatas político-partidárias, distanciamento das ditas “bases”, opacidade, entre tantas outras mazelas. A sublevação do rapaz vem ao encontro da impaciência cada vez maior do contribuinte, que vê seus parcos recursos diminuírem em face de uma política tributária insana que serve, sobretudo, para manutenção de um Estado mastodôntico, incompetente, ineficaz e inoperante. A aparente deselegância do Gaúcho reflete a descrença nos Poderes constituídos. A Casa que deveria ser do Povo nunca o foi. A Câmara foi e segue sendo a Casa “deles”. As aves que lá gorjeiam não são as nossas. O rico mármore dos banheiros destoa da miséria de quem o paga. As confortáveis poltronas, quase sempre desocupadas, contrastam com a dureza que marca a vida da maioria dos munícipes. A população de Cachoeirinha segue desassistida, à margem dos serviços públicos de qualidade. Sobram discursos na Câmara, contudo a práxis segue a rotina modorrenta de todos conhecida. Partidos se prostituem. Hoje andam de mãos dadas, amanhã se acusam mutuamente. Poder estéril, onde a pobreza de oratória só é maior do que a pequenez de espírito. A Câmara, definitivamente, não é espaço para proselitismo. Ignorar tal premissa é olvidar a história. Soa como verdadeiro desrespeito aos princípios que nortearam a própria gênese do Estado democrático de Direito. Urge um profundo repensar acerca do Legislativo municipal, sob o risco do mesmo ser, cada vez mais, visto como supérfluo e desnecessário. Seja o pronunciamento do Gaúcho Ateu fermento não de discórdia ou animosidade religiosa, mas, sobretudo, de transformação. Cachoeirinha merece!

Leia mais:
https://www.facebook.com/JuventudEmAcao

terça-feira, 16 de outubro de 2012

PRESENTE !



PRESENTE!
Gilvan
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br

                Sempre ouvi dizer que o melhor amigo do homem é o cão. Tenho lá minhas dúvidas. Sempre presente, nos acompanha desde que nascemos. É duvidar, já se manifestava quando ainda estávamos no ventre e éramos não muito mais do que um embrião. Presente desde o raiar até o ocaso do sol. Manifestando-se na calada da madrugada, faça frio ou não. Sob os lençóis da mais fina seda ou coberto por acolchoados feitos de remendos, lá está ele, sempre presente. No banheiro, na cozinha, na sala, na varanda, enfim, em qualquer lugar. Mostra-se inseparável. Às vezes, discreto, outras nem tanto. Vez por outra, dá o ar – literalmente... – da graça nos locais mais impróprios. Na hora e local erradas. Para nós, é claro! Ele, ao contrário, é todinho indiferença. Todo lugar é lugar e toda hora é hora. Pouco liga para o que pensamos ou pensam sobre nós. Quer, isto sim, é espraiar-se. Azedo, doce ou agridoce, o fato é que sempre vem ao encontro de todos os gostos. Revela, ao menos em parte, o que somos. É a nossa “cara”. Traduz um tanto de nossa personalidade. Talvez, por isso, alguns preferem escondê-lo. Tentativa nem sempre recheada de sucesso... Aí sim a emenda fica pior do que o soneto. É, por vezes, aí que mostra toda sua força, verdadeiro turbilhão de sons e cheiros. Não adianta, lutar contra ele é tarefa por demais ingrata. Melhor é não resistir. Na pior das hipóteses, tentar negociar. Tipo assim... “liberdade com responsabilidade”. Soltá-lo aos poucos, a conta-gotas, sob a condição de não se tornar público. Até porque, jamais fica famoso. No máximo, “conhecido”. Daí os apelidos e alcunhas que alguns lhe atribuem: silencioso, zangado, preguiçoso e tantos outros. Podem acusá-lo de tudo, todavia não se pode negar sua originalidade. Pesquisassem, certamente identificariam nele uma espécie de DNA. Único, revelador dos traços de quem lhe tem. Diga-se de passagem, um relacionamento um tanto que avassalador, por vezes. Senhor e servo são, nessa relação, papéis que se confundem. Feito casamento. Quando menos se espera, lá se vai o antigo companheiro. Sem carta, aceno ou sequer uma olhadela para trás. Ele sai da “vida” (corpo) para entrar na história. Não incomum é, quando da despedida, nos deixar em maus lençóis. Escancara para meio mundo o fim da relação. Ficamos com cara de coitados. Não bastasse, ele ainda deixa marcas. Não eternas, é verdade, mas profundas o suficiente para demandar duas ou três de mãos, além de muito sabão em pó. Por outro lado, há de se dizer que ele instiga a discórdia, mas também a cumplicidade conjugal. Passada meia-dúzia de anos, ele corre solto entre o casal. Todo pudor fica de lado. A vergonha de outrora dá lugar a verdadeira explosão de flatulências das mais diversas. Multicoloridas, com ou sem “cheirinho”, etecetera e tal. O que antes era feito às escondidas, com o passar do tempo, assume tamanha naturalidade que a simples falta dele passa a ser visto com desconfiança. “Não me quer mais!”. O que é o anel preso ao dedo perto da aliança gerada por entre os odores que só o amor, a partilha e a confiança são capazes de produzir? Ele passa a ser visto como sinal de intimidade doméstica. Feito segredo de cofre ou senha bancária, é algo a ser dividido apenas e tão-somente entre os cônjuges. No máximo, também entre os filhos. Fora de casa, nem pensar. Vira escândalo. “Quem foi?”. Como sempre, ninguém se acusa. Todos desconfiam do cunhado, aquele mais gordinho, espremido no canto da sala. Ah, aquela cara séria a ninguém engana. É, de certo, só uma coisa: todos têm uma história de PUM para contar. 

terça-feira, 9 de outubro de 2012

ESPAÇO URBANO DO MUNDO CONTEMPORÂNEO



ESPAÇO URBANO DO MUNDO CONTEMPORÂNEO
Prof. Gilvan
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br


                O processo de urbanização como que hibernara por muito tempo. Para que se tenha ideia, no final do século XVIII, apenas 3% da população mundial vivia nos “centros urbanos”. Já no início do século XX, o percentual chegava a 14%. Para tamanho avanço, foi imprescindível a chamada Revolução Industrial, esta ocorrida principalmente entre meados dos séculos XVIII e XIX. Na década de 1950, aproximadamente 29% da população da Terra vivia nas cidades, enquanto hoje este número ultrapassa 50%. Estudiosos afirmam que em 2050, cerca de 70% das pessoas viverão nos centros urbanos. Apesar do flagrante crescimento da população urbana, vale lembrar que o processo tem se mostrado desigual e heterogêneo. Assim, por exemplo, enquanto na Europa cerca de 73% da população vive nas cidades, já na África o percentual é de pouco mais de 40%. Na América Latina e Caribe, quase 80% das pessoas vivem nos centros urbanos, enquanto na Ásia tão-somente 41% da população vive fora do campo. Resta clara, portanto a relação existente entre o processo de urbanização e crescimento econômico, crescimento este nem sempre seguido – na mesma proporção – de melhoria na qualidade de vida da população.

                Como poderíamos definir “processo de urbanização”? Este pode ser conceituado como a transformação dos espaços naturais e rurais em espaços urbanos, concomitantemente à transferência da população do campo em direção à cidade. Contudo, ao contrário do que possa parecer, na prática a definição do que seja “espaço urbano” nem sempre é tão simples. Alguns municípios brasileiros, por exemplo, superdimensionam o chamado perímetro urbano como forma de aumentarem a arrecadação.

                Sob o ponto de vista histórico, o processo de urbanização é uma fenômeno bastante recente. Na Idade Antiga, por exemplo, apesar da existência de algumas grandes civilizações (Mesopotâmia, Egito, Roma, etc.), mesmo elas possuíam características preponderantemente rurais. Na Idade Média, o poder do senhor feudal contrastava com a força relativamente inexpressiva do Rei, sendo aquele período marcado pela descentralização e agrarismo. Na Idade Moderna, finalmente começaram a surgir alguns centros urbanos mais expressivos, em especial na Europa. Contudo, foi na Idade Contemporânea (principalmente a partir da Revolução Industrial, como já dito) que o processo de urbanização se acentuou.

                Segundo alguns autores, o processo de urbanização deriva, principalmente, dos chamados fatores “atrativos” e “repulsivos”. Enquanto os primeiros diriam respeito especialmente aos países ditos desenvolvidos, os últimos estariam vinculados aos países subdesenvolvidos. Para tais autores, os fatores atrativos estariam relacionados à força centrípeta exercida pelas cidades em relação ao campo, como a oferta de empregos. Já os fatores repulsivos diriam respeito, por exemplo, aos inúmeros problemas que acabariam por “expulsar” o homem do campo em direção às cidades, como a concentração fundiária.

                Uma das características marcantes do processo de urbanização é o surgimento das chamadas “aglomerações urbanas”, também conhecidas como regiões metropolitanas. Estas são formadas pelo conjunto de cidades conurbadas. Merecem destaque, ainda, as megalópoles, ou seja, duas ou mais metrópoles ligadas por verdadeiros “corredores” de serviços, a tal ponto de passarem a impressão de serem uma coisa só. Apesar dos inegáveis avanços associados à expansão urbana, esta também traz seus, por assim dizer, “efeitos colaterais” como, por exemplo, a favelização de enormes parcelas da população, a precariedade dos serviços públicos, a agressão ao meio ambiente, entre outros.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

PARECE QUE FOI ONTEM



PARECE QUE FOI ONTEM
Gilvan
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com

                Ainda ontem era uma criança. Seis ou sete anos, talvez. Nascia o Parque Madepinho e, com ele, a concretização do sonho de muitas famílias como a minha, o sonho da casa própria! Morava na Rua “D”, número quarenta e cinco. Por vizinhos, gurizada como o Lísio (acho que o verdadeiro nome era Aloísio...) e o Ângelo. Tinha, ainda, a “casa da esquina”, uma das mais bonitas, onde íamos tomar banho de piscina nos dias quentes de verão. Tempos bons aqueles. Quem sabe, por serem tempos que ficaram para trás. A saudade é assim mesmo. Colore, por vezes, tempos idos que, no fundo, eram um tanto que opacos. A memória dos tempos de criança é como que graça divina. Mesmo as dores, privações e sofrimentos assumem com alguma frequência um ar de doce melancolia. Aquelas noites de São João, onde pulávamos a fogueira. O Bar do Ventura, com suas promoções de Páscoa. As brincadeiras de bexiguinha. Os passeios na Praça. Bons tempos... Ainda trago viva na memória a lembrança da época em estudei no São Francisco. Cinco anos. Meia década como aluno da Escola onde hoje trabalho. Lembro de alguns professores, das orações no início da manhã, do aperto de mãos estampado no uniforme, das Gincanas e caminhadas que movimentavam a região. Ainda ouço o minuano soprando no inverno, encarangando até os ossos, quando eu e meus irmãos andávamos o que parecia um eito para chegarmos até o São Chico. Por vezes, nas noites mais frias, dormíamos já uniformizados, sem que o Tonico, meu já falecido pai, e Dona Geci, soubessem, é claro. Foi assim que começou minha história de amor pela Escola. No decorrer dos cinco anos em que estudei no São Francisco, mudei do Madepinho para próximo ao Parque dos Maias. Coube a meu avô construir a casa. Era de madeira. Enquanto construía, por vezes, eu e alguns amigos brincávamos de carrinho de lomba. As rodinhas de rolimã iam na mesma velocidade de nossos sonhos. Não demorou, mudamos novamente. Agora para Cachoeirinha. Fui transferido de escola. O tempo passou, pois que não para e nem tampouco dá trégua. Cada um seguiu o próprio caminho. Eu e o São Chico. Crescemos ambos. A separação – feito dois eternos amantes compromissados por juras de amor – só fez aguçar, ainda mais, o respeito e admiração. Após formado, fui convidado por uma ex-colega de universidade a lecionar na Escola de minha infância. Iniciava-se uma nova década (1992). Com ela, um misto de tristeza e esperança. Meu pai sofrera um “derrame”, debilitando-o para o resto da vida. A dor aos poucos foi sendo superada com trabalho e o apoio de amigos e familiares. Entraram e saíram presidentes – alguns pela “porta” dos fundos –, governadores e prefeitos. Muitos foram os alunos que me deram a oportunidade de, com eles, aprender. Compartilhamos, juntos, muitas alegrias e algumas tristezas. Estas, por vezes, personificadas na perda de professores e alunos. Quantas Gincanas e campeonatos? Quantas caminhadas e festivais? Quantas missas e ações sociais? Quantos Conselhos de Classe e formações de professores? Quantos Retiros e encontros com a comunidade? Quantas entregas de boletins e confraternizações? Quantas Páscoas e Natais? Aulas? Inúmeras. Atendimento aos alunos e pais? Incontáveis. Vinte anos de São Francisco. Quase metade da linha de tempo da própria Escola. Nessas duas décadas, casei, nasceram meus três amados filhos, perdi meu pai, troquei de casa poucas vezes e de carro algumas... O que não mudou foi a convicção de que é através da educação que se constrói uma sociedade mais justa e fraterna. A certeza de que o processo ensino-aprendizagem requer, acima de tudo, amor. Sim, um amor fundado na paciência, mas na exigência. Um amor pautado no diálogo, mas no respeito à autoridade. Um amor alicerçado na liberdade, mas de mão dadas com os limites claros e necessários. Um amor voltado à paz, mas avesso à injustiça. Assim, o Jubileu da Rede de Escolas São Francisco é, para este humilde servo, um momento ímpar, pois que a história do velho São Chico está íntima e umbilicalmente ligada à minha própria história. Parabéns a todos nós!

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

FAÇAMOS NÓS?



FAÇAMOS NÓS?
Gilvan
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br


                Onde está o Estado? Este foi concebido e aceito, ao menos pela maioria, como sendo a personificação de um pretenso “interesse coletivo”. Hobbes, no século XVII, já defendia a necessidade de um Estado capaz de frear a forte tendência do homem em buscar seus próprios interesses, mesmo que em detrimento do interesse da maioria. A partir da premissa de que o homem seria “lobo” do próprio homem, é que surgiu a mais famosa teoria do Estado, a do chamado “contrato social”, teoria esta – direta ou indiretamente, aberta ou sorrateiramente – ainda presente. No Brasil, é sabido, tivemos o surgimento de um Estado (aqui entendido como o ente público em todas suas esferas e manifestações) inicialmente associado a interesses de fora. Durante o período de colonização, em regra, as decisões tomadas nestas bandas vinham, num primeiro momento, ao encontro dos interesses da Coroa. A maioria da população brasileira – formada por negros, índios e mestiços, tendo em comum o fato de serem pobres – estava à margem de qualquer benesse oriundo do Estado português. A chamada “independência” (1822) pouco acrescentou à qualidade de vida da maioria. Esta seguiu alijada das condições mínimas de saúde, moradia, alimentação, renda ou educação, por exemplo. Poucos foram os reais beneficiados com a instalação do Império. Enquanto os grandes latifundiários e poderosos comerciantes aumentavam seu poderio econômico e político, a distribuição de renda seguia injusta e concentrada nas mãos de uma pequena oligarquia. O tempo passou e com ele veio a República (1889). Apesar das ideias aparentemente revolucionárias – oriundas, quase sempre, de uma burguesia europeia –, o Brasil permaneceu sendo a terra dos coronéis, cujas decisões políticas apenas corroboravam o já sedimentado poder econômico. A dita República Velha com seu maniqueísmo forjado na política do “café-com-leite”, a Era Vargas com seu populismo assentado num discurso flagrantemente paradoxal, a Ditadura Militar com seus excessos – injustificáveis, mesmo que diante de uma “esquerda” por vezes equivocada –, a Nova República com a subida ao poder das mesmas “figurinhas” do passado, o Brasil de hoje com sua letargia e paralisia a fazer prosperar o sentimento de indignação frente à omissão, impunidade, injustiça e exclusão. O que todas as fases de nossa história têm em comum? A incapacidade do Estado brasileiro em atender as reais demandas da maioria. Reforça-se o sentimento de que o Estado brasileiro é dispensável. Por que um Executivo mastodôntico? Um Executivo tomado de assalto por CCs, imprestáveis sob o ponto de vista do interesse público, só vistos quando a tremularem bandeirolas nos períodos de campanha eleitoral? Um Executivo que recomeça do zero a cada “nova” gestão, feito cachorro em torno de seu próprio rabo? Um Executivo partidarizado, pertencente a uma legenda? Um Executivo estrábico, sem olhar “certo”, confuso? Um Executivo sem noção do que seja política de Estado? Um Executivo que só trabalha movido pela proximidade do pleito ou quando pressionado pela mídia?

                Por que um Legislativo que legisla em causa própria? Um Legislativo apadrinhado a interesses espúrios? Um Legislativo formado, não raras vezes, por figuras que construíram suas candidaturas sobre frases de efeito, poder econômico ou caricaturas de palhaços? Um Legislativo que, na contramão da realidade de quem o paga, trabalha pouco e folga um eito? Um Legislativo inchado e recheado de privilégios? Um Legislativo que discursa para si e para as moscas? Um Legislativo que pouco ou nada produz, sequer textos legais que venham ao encontro dos interesses da coletividade? Um Legislativo que olha narcisicamente para si mesmo? Um Legislativo que se prostitui em meio à distribuição de parcos ou volumosos recursos públicos? Um Legislativo que se afunda em meio a uma sopa de letrinhas e legendas, numa verdadeira dança das cadeiras, incompreensível aos pobres mortais (nós contribuintes!)? Um Legislativo incapaz de ouvir os reclames da maioria, salvo quando potencializados pelos holofotes da TV os gritos dos mais humildes? Um Legislativo corporativista, verdadeiro campinho de históricos coronéis e caudilhos?

                Por que um Judiciário lerdo e moroso? Um Judiciário caro, de difícil acesso e quase impossível atendimento à demanda justa, especialmente se nascida em meio a mocambos e palafitas? Por que um Judiciário mais preocupado com frases em latim do que com a voz que nasce em meio aos mais pobres e necessitados? Por que um Judiciário movido por onerosos recursos e agravos, bancados em regra por quem pode pagá-los? Por que um Judiciário excessivamente formal e pedante, distante dos que sequer tiveram acesso às primeiras letras? Por que um Judiciário que solta o bandido e prende o trabalhador? Por que um Judiciário que corrobora a impressão de que o mundo é dos “espertos”? Por que um Judiciário que concede liberdade a homicidas, estupradores, sequestradores, assaltantes, tudo em nome ou de um bem pago habeas-corpus ou de um “garantismo” doentio e irresponsável? Por que um Judiciário que ao postergar suas decisões causa imensuráveis danos à sociedade? Por que um Judiciário atolado em processos que nascem da profunda insegurança jurídica que grassa por este país afora? Por que um Judiciário que não denota respeito e temor?

                Resta, portanto, a pergunta: por que Estado? Para quê? Para quem? Historicamente, no Brasil, o Estado tem sido um Saara de inépcia, lentidão, frouxidão, corrupção e incompetência. Fracassado e caro, muito caro! Um Estado que expropria o trabalhador através de uma política fiscal e tributária insana, irresponsável, injusta e desumana. Tudo, sob o olhar complacente e condescendente dos chamados “Poderes” constituídos. Nada mais natural e aceitável, portanto, do que perguntar: façamos nós o que o Estado não tem feito?

                Façamos nós? Façamos justiça com as próprias mãos ou sigam os criminosos, delinquentes e meliantes prosperando em seus intentos? Façamos justiça com as próprias mãos ou sigam os sequestradores, estupradores e violentadores levando nossos filhos e mulheres? Façamos justiça com as próprias mãos ou sigam os ébrios e adeptos de rachas ceifando a vida de nossos entes queridos no trânsito? Façamos justiça com as próprias mãos ou sigam os narcotraficantes transformando em zumbis imprestáveis nossos jovens? Façamos justiça com as próprias mãos ou sigam alguns se apropriando indevidamente dos recursos públicos? Façamos justiça com as próprias mãos ou sigam alguns fraudando licitações? Façamos justiça com as próprias mãos ou sigam algumas empresas fraudando o consumidor, lesando-o em seu bolso e sua saúde? Façamos justiça com as próprias mãos ou sigam alguns destruindo o meio ambiente em nome do lucro desmedido? Façamos justiça com as próprias mãos ou sigam as intermináveis filas nos hospitais e postos de saúde? Façamos justiça com as próprias mãos ou sigam os desvios e malversação do dinheiro público, o mesmo que dizem faltar para a cultura e educação? Façamos justiça com as próprias mãos ou siga o deboche por parte da maioria dos partidos políticos em relação ao eleitor? Façamos justiça com as próprias mãos ou siga o descaso com a infraestrutura, estradas e saneamento básico? Façamos nós justiça com as próprias mãos?

                Apesar de aparentemente oportuna, fazer justiça com as próprias mãos parece não ser a melhor saída! Esta reside, isto sim, na refundação do Estado. Um Estado distinto daquele que era e continua sendo. O que se deseja é um Estado que seja, de fato, de Direito e democrático. Um Estado pautado, sobretudo, na justiça social, na equidade e no respeito à soberania popular. Um Estado que respeite e privilegie a sociedade civil organizada, um Estado que valorize a educação, a cultura, o lazer, a saúde e o esporte. Um Estado capaz de distribuir renda de forma efetiva, através da geração de trabalho, e não através de programas político-eleitoreiros. Um Estado que se mostre completa e absolutamente avesso à corrupção e ao crime de qualquer espécie. Um Estado que seja admirado, respeitado e temido por sua eficácia. Um Estado comprometido com os anseios dos mais humildes. Um Estado preocupado com as minorias, com as crianças e idosos. Um Estado fundado na democracia, na participação popular e na valorização e proteção da vida em toda sua complexidade. 

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

BOTECO



BOTECO
Gilvan
blog: profgilvanteixeira.blogspot.com.br


                Casa cheia. Melhor, tomada de amigos! Estes enchiam os espaços com sua presença, alegria e descontração. Mais do que sorrisos, as risadas corriam soltas, livres como as palavras e os pensamentos. O Boteco da Rosinha fervilhava. O lusco-fusco dava charme ao lugar. Garrafas de todos os tipos e cores. Cerveja, cachaça, licor, batida, vinho... Verdadeiro manjar em homenagem a Baco. Mal dava tempo de respirar, logo vinham as “garçonetes” enfiadas em seus aventais escuros que, apesar de longos, denunciavam as perigosas curvas daqueles corpos. Corpos e copos. Copos e corpos. Mistura delicada, mas deliciosa. Feito a maçã do Éden. As frutas, por sinal, afogadas na aguardente de algumas daquelas garrafas, pareciam chamar pelo nome os “clientes” do Boteco. Feito sereias. A voz doce vinda do alambique enfeitiçava aquelas almas, masculinas ou não. Alma tem gênero? O velho telefone, posto ao canto da mesa, parecia querer falar. Há quanto tempo silenciara? Preterido pela concorrência desleal das novas tecnologias, o antigo aparelho mal cabia em seu insuperável charme, feito quarentão de cabelos grisalhos a encantar as mulheres. No prato, salgadinhos e tira-gosto de todo tipo. Quentinhos. Polenta, fritas, pasteis, cubinhos de queijo e de presunto... Novinhos, tenrinhos. A música corria solta. Ritmos dos mais diversos, para todos os gostos. Anos sessenta, setenta, oitenta... Sons contemporâneos convivendo pacificamente com os embalos de sábados passados. Aos poucos, o som mecânico ia sendo substituído pela voz dos mais corajosos. Afinados ou não, os adeptos do karaokê soltavam a garganta na mesma medida que sorviam a largos goles da farta bebida. Colados à parede, por todos os lados, frases de botequim. Curtas ou longas, rimadas ou não, os dizeres despertavam a atenção dos convivas. Inicialmente claros, à medida que as garrafas secavam, os cartazes ficavam turvos e as frases desconexas. As palavras pareciam saltitar, serelepes como que a dançarem em meio ao jogo de luz. Enquanto isso, a dona do Boteco, feito cigana, agitava o corpo de um lado para outro. A cintura parecia acompanhar a melodia, fazendo lembrar as ondas do mar, hora mansas, hora nervosas... O Boteco era só algazarra, doce agitação. Algumas crianças se divertiam próximo à mesa de sinuca, enquanto outras catavam as bolinhas de plástico coloridas que descansavam ao chão. Todos se divertiam. Até os ponteiros do relógio pareciam fazer festa ou, talvez, estivessem sob o efeito etílico que impregnava o ambiente. Como presentes, os corações iam se abrindo, um a um. Os mais resistentes até que tentavam se esquivar por entre as folhas de papel. Vã tentativa. O Velho Barreiro, em toda sua boêmia sabedoria, não poupava ninguém, por mais duro que fosse. A dona do Boteco era toda sorriso. Momento impar aquele em que completava mais uma primavera.