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segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

DISCURSO DE FORMATURA

DISCURSO DE FORMATURA EMEF GETÚLIO VARGAS
Gilvan


            Boa noite a todos! É com alegria que saúdo aos aqui presentes: autoridades, professores, funcionários, familiares, amigos e, principalmente, formandos da EJA da EMEF Getúlio Vargas. Ao contrário do que possa parecer, esta não é apenas mais uma noite. Ela é especial. Sim, é uma noite para ser inscrita na memória de muitos. A começar pela do que vos fala. Apesar do pouco tempo de “casa”, esta Escola já me é cara por tudo o que representa. Mais do que um local de trabalho, é o espaço onde tenho criado vínculos de respeito e de afeto. Um espaço privilegiado de “trocas”, onde mais do que ensinar, aprendo com cada aluno e com cada aluna. Aprendo com as diferenças. Aprendo com os mais jovens e o mais velhos. Com os que já são pais e com os que apenas filhos são. Aprendo com o sorriso franco e aberto, mas também com o semblante flagrantemente triste e preocupado. Aprendo com o que, aparentemente, aprende, mas também com o que parece não aprender. Aprendo com os quietos e com os inquietos. Aprendo com meus “iguais”, professores como eu, tanto os que aqui estão, como os que deixaram saudade: Lurdinha, Verinha, Luci, Cirineu... Quantos estímulos, quanta riqueza! Afinal, são as pessoas que fazem uma escola. Esta é feita de relações.

            Uma Formatura é mais do que um mero cerimonial. Especialmente uma Formatura como esta. É a prova de que somos positivamente teimosos. Teimamos em resistir aos incessantes apelos da vida para que desistamos. Teimamos em nadar contra a maré, contra o descaso de alguns entes públicos, contra a desigualdade de renda e de oportunidades, contra a exclusão e o preconceito. Teimamos em lutar contra as intempéries, contra o desânimo, contra o cansaço físico e da alma. Teimamos em aprender, apesar dos equívocos metodológicos e da falta de recursos mínimos para uma aula de qualidade. Teimamos em provar que na “periferia” também se aprende.

            Olhem para cada formando nesta noite. Não são “ilhas”. O sucesso deles é, também, o sucesso da Escola e da família, por exemplo. Parabéns a todos os que apoiaram, mesmo que indiretamente, o projeto de vida destes alunos. Aos que viam com desconfiança o esforço dos formandos, fica a lição: é necessário acreditar!

            Finalmente, lembro que a Formatura não é o “fim da linha”, mas tão-somente o início de novos desafios. O mundo está a exigir, cada vez mais, homens e mulheres que sejam competitivos, prontos para o trabalho, dispostos a aprender. Exige-se não apenas competências e habilidades mas, acima de tudo, ética, respeito, compromisso com a verdade, honestidade e responsabilidade. Espero, assim como todos os demais profissionais desta Escola, ter contribuído na formação não apenas intelectual destes formandos mas, principalmente, no preparo de verdadeiros cidadãos, comprometidos com o tempo e espaço coletivos, voltados para construção de uma sociedade menos injusta e mais fraterna. Feliz Natal a todos e um excelente 2012. Muito obrigado!

OBS: Agradeço aos alunos que escolheram este Professor como "paraninfo". Sucesso aos formandos!

sábado, 17 de dezembro de 2011

O PROFESSOR

O Professor
Igor Franco


            Hoje, enquanto olhava as crianças brincando na praça, lembrei-me de minha infância. Tive uma infância normal, sem nada de estranho: eu brinquei, chorei, fiz birra e todas as coisas que são comuns para uma criança. Porém, o meu tempo na escola mudou tudo: no começo era tranquilo, fazia o que tinha que ser feito e pronto.

Tudo começou realmente no 2º grau. Eu tinha um professor que realmente encheu e muito minha paciência, seu nome era Joaquim Peixoto, era meu professor de geografia, lembro-me bem que em todas as aulas dele, com raras exceções, discutíamos sobre comportamento, ele falava o quanto eu era desleixado e preguiçoso, e eu retrucava dizendo que era um velho sem graça e sozinho. Passaram-se os dois primeiros trimestres e a única matéria que me impedia de passar para o segundo ano era a matéria deste professor com o qual tanto me desentendia. Joaquim era um professor de uns 40 anos, um homem inteligente, casado e tinha um bordão próprio, que sinceramente cansei de escutar, “O sucesso só se alcança lutando!”, ele vivia falando isto, quase em todas as aulas. Como dá para adivinhar, peguei recuperação com ele, e o pior, só eu peguei recuperação com ele.

Como uma forma de implicância, ele fez com que eu tivesse aula todos os dias da semana e dizia que se faltasse um único dia, seria reprovado. Numa quinta-feira, se me lembro bem, estava eu e ele, sentados um de frente para o outro, ele me encarava enquanto eu fazia uma lista de múltiplas escolhas. Quando acabei, ele me perguntou: “Por que você me odeia?”, eu respondi dizendo que não o odiava, mas ele insatisfeito, quis saber o motivo de tanto bate boca durante todo o ano. Com isso, ficamos conversando até mais tarde, descobri que ele é professor de geografia, história e português, queria ter feito Direito também, mas nunca teve tempo. Na semana seguinte, fiz a prova, entreguei a ele, tivemos um momento de silêncio na sala até que ele levantou a cabeça e olhou para mim e com um sorriso disse: “Você passou!”

As férias passaram como um foguete, e no ano seguinte, lá estava ele, o meu professor de geografia que tanto me insultava estava em trégua comigo, logo no primeiro dia de aula ele me chamou para uma conversa na sua sala, esperava ganhar uma bronca, embora não tenha feito nada. Chegando lá, ele perguntou como foram minhas férias, me falou sobre as suas, comentou sobre uma viagem que fez a Itália, me falou também sobre os ofícios da geografia, a importância que se tem em conhecer coisas sobre economia, política e sociedade, percebi então, que não era mais o menino desinteressado e relaxado do ano passado. Eu estava vendo a necessidade de se aprender cada vez mais e, com isso, ganhei um novo amigo.

Muitos na escola me chamavam de queridinho do professor, de puxa saco. Mas nunca dei bola, o professor Joaquim se tornou meu amigo. Em um certo dia, mais ou menos em Julho, convidei ele para tomarmos um café após a escola, fomos a uma lanchonete a duas quadras da escola, conversamos sobre a Ordem Mundial, Globalização, o possível crescimento da economia do Brasil. Eu queria ter todos os conhecimentos que ele tinha.

O fim do ano aproximava-se e com ele as férias. Diferente do ano anterior, já estava passado por média, as férias estavam garantidas. No último dia de aula, convidei meu professor para participar de nossa ceia de natal, junto a minha família, ele aceitou. No dia 24 de Dezembro lá estávamos nós: eu, meu pai, minha mãe e nosso convidado, o professor Joaquim. Tivemos muitas conversas, meu pai se interessava em saber sobre meu rendimento na escola, minha mãe perguntava a ele sobre suas viagens, e eu fiquei apenas parado, observando a felicidade de todos que estavam à mesa. Foi um dia inesquecível.

Começou o último ano do 2º grau. Foi um ano cansativo, fiquei dividido entre as provas escolares e as do vestibular que estavam por vir. Eu não tinha nem ideia do que iria cursar na faculdade, mas tinha certeza que precisaria estudar muito. Joaquim me ajudava em seu tempo livre, quando não tinha provas para corrigir ou aulas para preparar, ele me preparava para o vestibular, arrumava livros universitários e fazia listas de exercícios, eram muito difíceis. Quando finalmente chegou o fim do ano, estava pronto para as provas e decidido, queria cursar Direito.

No dia da formatura, resolvi o presentear com um mapa terrestre, aqueles em forma de globo, contei a ele sobre minha escolha da faculdade e pude ver que estava surpreso e orgulhoso, provavelmente não imaginava que aquele aluno preguiçoso chegaria tão longe. Ele foi meu professor preferido, claro que tive muitos outros professores, mas dele, nunca esqueci.

Um ano depois, soube que seu filho nasceu. Fui convidado a ir ao batismo e ser o padrinho da criança, aceitei o convite.  Seu filho foi batizado com o nome de Henrique Peixoto, um menino saudável e bem esperto. Infelizmente a faculdade me impedia de passar mais tempo com meu afilhado. À medida que meu afilhado crescia eu ficava mais distante dele e de meu grande amigo. Quando terminei minha faculdade, estava trabalhando em uma agência de advocacia. Depois de um ano trabalhando duro, recebi uma proposta, aceitei e viajei para a Europa.

Anos se passaram, eu já estava casado, tive meu primeiro filho e criei um negócio próprio, minha própria agência de advocacia, onde coloquei o lema: “O sucesso só se alcança lutando!”. Depois de 30 anos longe do Brasil, retorno para minha terra natal, encontrei meus pais, revi amigos. Mandei uma carta ao endereço do professor Joaquim, avisando para me encontrar na lanchonete próxima a escola. Chegando lá, me deparo com Henrique, conversamos um pouco, até que perguntei onde o seu pai estava, ele me falou, com uma voz triste, que o professor que eu tanto admirava, tinha morrido há dois meses. Ele me levou ao cemitério onde seu pai tinha sido enterrado. Lá ficamos por um bom tempo, olhando para a lápide, onde tinha escrito: Aqui jaz Joaquim Peixoto! “O sucesso só se alcança lutando!”.

Até hoje, me arrependo de nunca ter dado notícias minhas. Arrependo-me de nunca ter dito a ele que a sua frase estava certo. Mas o pior de tudo, me arrependo de nunca ter agradecido a ele, por tudo que fez por mim, pela ajuda que me ofereceu. Ele teve sucesso em sua vida, lutou para fazer o futuro de muitos ficarem melhor, e eu, sou um desses muitos. Sua missão como professor foi o sucesso de sua vida e ajudou a construir o meu sucesso.

Enfim, escrevi esta história, para vocês, jovens estudantes, nunca esquecerem que não importa o quanto uma matéria seja difícil ou o quanto o mundo fique contra vocês, respeite seu professor, pois ele será o melhor aliado que se pode ter. O professor é a ignição para o começo do nosso futuro. Ah! Jamais esqueça! Agradeça a quem luta por você todos os dias para ver seu sucesso, antes que seja tarde demais!


OBS: O texto acima é uma homenagem de um excelente aluno a este humilde professor!
  





  


terça-feira, 6 de dezembro de 2011

O PAR DE TÊNIS

O PAR DE TÊNIS
Gilvan



            Morrera como vivera. Ainda piá, mal podia esperar o amanhecer do dia para ir à escola. Não que intencionasse estudar. Prestar atenção na explanação da coitada da professora que estrebuchava lá na frente, quase fazendo piruetas para chamar atenção da classe? Nem pensar. Não tinha tempo para isso. Queria era zoar, brincar, colocar as conversas em dia, como se um enorme tempo houvesse passado entre o último intervalo entre os períodos, quando os alunos então podiam não apenas levantar da cadeira como, ainda, conversar à vontade. Queria era mesmo mostrar o par de tênis ganho na véspera. Um Nike multicolorido, impossível de passar despercebido. Fazia questão de mostrar o presente dado pela mãe. Esta, até que tentara demovê-lo da idéia, sem sucesso. Afinal, além do preço nada módico, o filho há muito não fazia por merecer qualquer agrado. Indolente, preguiçoso, desleixado com os afazeres domésticos, irresponsável com os estudos. O guri só dava trabalho. As reclamações eram quase que diárias. Os bilhetes tomavam conta da agenda escolar. A mãe buscava justificar os pecados e deslizes do filho com alguns chavões da pós-modernidade: “é hiperativo!”, “tem déficit de atenção!”, etecétera e tal.  Sempre que chamada à escola, a reação ia da indiferença à revolta. Contra a escola, acreditem. Apesar de tudo, era o guri pedir e pronto! Lá estava o pedido em forma de presente. Mais parecia uma história mal contada do gênio da lâmpada. No lugar do gênio, uma mãe não menos pobre de espírito do que o filho. No lugar da lâmpada, o cartão de crédito a acorrentar a mulher, dia após dia, mês após mês. O guri engordava feito porco para o matadouro. O cérebro parecia diminuir à medida que aumentava a pança. Amigos, tão raros quanto os livros. Salvo, é claro, os “imaginários”. O tempo que dispensava para o chats e games faltava-lhe para os encontros reais. O pai se fora no último verão. Assim como muitos outros. Parecia não fazer falta, tal a nulidade da figura paterna em sua vida. A mãe, apesar de certa relutância, finalmente dera-lhe o tênis tão desejado. Nenhum sinal de gratidão. Nem “muito obrigado”, nem tampouco um sorriso, mesmo que tímido. O tênis era o fim em si mesmo. Para sua decepção, ninguém reparara nos pés do adolescente. Ao menos, nenhum comentário, nem de agrado e nem de desagrado. Os colegas pareciam absortos em seus próprios “brinquedinhos”: celulares, MP4, tablets e tantos outros penduricalhos nascidos da globalização. O que para o guri era novo, para os demais passara às escuras. O prazer de duas horas atrás passara a ser frustração. Assim como o crack, a merla ou o êxtase, o barato durara pouco. Muito pouco. O vazio tomara conta daquele campo fértil à tristeza camuflada pelo odor artificial, tão comum nas prateleiras dos hipermercados e shoppings da cidade. Voltava para casa quando, de repente, um desconhecido não menos jovem do que ele, arma em punho, declarou: “perdeu mano”. Perdera não apenas a vida, mas o par de tênis!