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domingo, 25 de setembro de 2011

Sami: um caso a se pensar

O texto abaixo foi escrito no final de 2010.


SAMI: UM CASO A SE PENSAR
Prof. Gilvan

            Sequer sei se a grafia do nome está correta. Não importa. Poderia ser João, Pedro, Maria, Joana... Percebeu-se que os professores, reunidos em Conselho, estavam incomodados com a situação do aluno da EJA. Segundo relato de um deles, o educando vinha apresentando sérias dificuldades e ausência quase que completa dos pré-requisitos ditos necessários para o enfrentamento da etapa seguinte, o Ensino Médio. Os demais professores que já haviam dado aula ao aluno, não titubearam em concordar com o colega. “Falas” brotaram da reunião. Alguns alegavam – sem nenhuma base científica ou clínica – ter o educando chegado ao “limite”. Ora, que limite? Há de se questionar tal discurso, pois que – cada vez mais – temos contribuído para (de)formação dos alunos. Estes aprendem cada vez menos. O “limite” da aprendizagem que lhes é apresentado tem sido a cada dia mais aquém do desejável e do necessário aos desafios que aí estão. Joga-se para o aluno a responsabilidade do não-aprender. Ele que é “fraco”!  Acomoda-se o professor e esconde-se por detrás de uma pretensa proteção e benevolência em relação ao educando. A não-exigência em relação ao aluno é, no fundo, a não-exigência em relação ao trabalho do próprio educador. Cria-se um triste ciclo de acomodação e boçalidade intelectual, ciclo este que se desnuda nos pífios resultados em todos os exames nacionais que medem, mesmo que de forma parcial (por que não dizer questionável?), o nível escolar da presente geração de alunos. Alguns professores demonstraram profunda tristeza ante o desgosto e decepção em noticiar a reprovação ao Sami. Por que, quiçá, não aprová-lo em nome do “emocional”? Apesar de difícil, momentos como o vivido no Conselho devem servir para reflexão acerca do “fazer pedagógico”. Crítica e autocrítica devem comungar na mesma mesa. Crítica em relação, por exemplo, à desassistência por parte da mantenedora. Esta, historicamente tem olvidado de suas obrigações legais e morais frente às dificuldades enfrentadas pelos professores e alunos em sala de aula. Sobram discursos, enquanto escassas são as ações verdadeiramente eficazes. Onde estão os profissionais com competência técnica para detectarem e, na medida do possível, sanarem as dificuldades de aprendizagem por parte dos educandos, orientando o professor para que este adote metodologias que venham ao encontro das reais necessidades de seus alunos? Onde estão os “laboratórios de aprendizagem” devidamente estruturados junto às escolas? Os profissionais devidamente habilitados para o atendimento junto a esses “espaços”? Por outro lado, mister é que se faça uma autocrítica enquanto corpo docente. Até que ponto estamos qualificando nossas aulas? Até que ponto estamos a exigir dos alunos e de nós mesmos? Infelizmente, não é incomum percebermos professores mais preocupados com as “horas” acumuladas nos Seminários e Cursos de Formação do que propriamente com o conteúdo dos mesmos. Certificados, Promoções e Mudanças de Nível no Plano de Carreira são, não raras vezes, o objetivo primeiro de muitos de nossos colegas. O aluno é um mero “detalhe”. Prova disso é que, apesar de todos os investimentos que são feitos (às vezes, mal feitos é verdade...) na formação de professores, os resultados são risíveis e vergonhosos. Somos para os contribuintes – a maioria deles, sem vez e sem voz – um profissional excessivamente caro. É mais do que hora de cortarmos na própria carne. Urge uma reflexão profunda e sincera acerca de nosso papel e da função da Escola como um todo. Faz-se de conta que se ensina, faz-se de conta que se aprende. Como explicar que alunos (tanto no Ensino dito Regular quanto na EJA) de 8ª série ou última etapa do Fundamental sigam para o Médio sem saberem ler e escrever de forma minimamente aceitável? Alunos incapazes de interpretarem textos e a própria realidade. Alunos sem competência para produção textual e escrita da própria história? Deve restar claro que o que se discute aqui não é a “nota” ou “parecer” capaz de aprovar ou reprovar o Sami. Chama-se a atenção é para aquilo que está por detrás das mensurações numéricas ou textuais. Que aluno queremos formar? Que aluno estamos formando? Qual a distância entre o que se tem e o que se quer? O que é necessário fazer? O que está ao nosso alcance? O que depende de nós? O que não depende? De quem se deve cobrar? Como cobrar? Enfim, eis aí algumas das perguntas que devem nortear a salutar discussão a ser travada nas entranhas da Escola. Preferencialmente, com a participação de todos os segmentos da comunidade escolar: professores, funcionários, alunos e pais. O Sami é apenas mais um entre tantos outros casos “desconcertantes”. Mais do que demonstrações de “sentimentalismo” (que se esvaem tão rapidamente quanto surgem...), precisamos transformar momentos como o dele em força propulsora de mudanças no agir pedagógico.


Cachoeirinha, 22 de dezembro de 2010. 

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