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domingo, 25 de setembro de 2011

Papel Higiênico

PAPEL HIGIÊNICO
Gilvan Teixeira[1]


            Defecar todos o fazem. O bolo fecal produzido por pobres ou ricos, negros ou brancos, homens ou mulheres, letrados ou não, clérigos ou leigos, tem em comum a mesma essência, qual seja a de denunciar que apesar das históricas desigualdades reforçadas no dia-a-dia, somos todos simples mortais. O que muda são os ingredientes do bolo, porém não fosse o cheiro artificial produzido pelas perfumarias compradas pelos que por elas podem pagar, o odor seria o mesmo. Fétido como a mesquinhez humana. Quiçá o banheiro (patente, “casinha”, etc.) seja o lugar ideal para uma análise antropológica e sociológica da estratificação e das “castas” existentes no meio social, mesmo que tal meio seja uma cidadezinha como a que a gente vive. Outro dia, numa visita de alguns alunos da periferia à Câmara de Vereadores de Cachoeirinha, o que mais chamou atenção não foi a fala do palestrante mas, vejam só, o banheiro da Casa do Povo. A gurizada até então nunca tinha entrado em local tão asseado, organizado e convidativo como os banheiros do Legislativo. Ao contrário de seus casebres frios, escuros e apertados, naqueles banheiros pairava como que uma luz eterna garantida por lâmpadas de última geração. Acostumados às salas de aula mal pintadas, esburacadas feito queijo suíço, lousas irregulares tomadas pelo giz branco de qualidade duvidosa, as paredes dos banheiros da Câmara soavam como o paraíso. Pudessem, aqueles alunos optariam pela aula ali mesmo, sentados naquelas poltronas confortáveis, cercados daquele silêncio profundo só quebrado por uma que outra torneira ou descarga acionadas por aqueles homens e mulheres enfiados em seus trajes bem alinhados. Destaque para o papel higiênico. Alvo como a neve, macio feito seda chinesa, o papel mostrava-se acondicionado de maneira meticulosa, dobradinho tal qual lencinhos. Um mimo. A gurizada desacostumada à tamanha “frescura” não sabia ao certo se, de fato, aquilo era papel higiênico, pois que muito diferente do “material” a que estavam acostumados. A vida tinha-lhes reservado não apenas um presente e futuro difíceis - só não menos duros e inflexíveis do que as folhas dormidas da Zero Hora ou do Correio usadas na limpeza da postérieur -, mas uma ignorância mórbida associada à condescendência que alimenta e perpetua os benesses de uma minoria. Não sabiam eles que toda aquela pompa sanitária a debochar da miséria em que viviam era paga por eles mesmos. O escárnio a afrontar-lhes era o subproduto de uma pérfida história que, ano após ano, século após século, tem permitido que alguns poucos se locupletem em detrimento do interesse público. Não entendiam os pobres alunos como alguns “nobres” vereadores, pouco dados aos estudos (embora um “canudo” não ateste a idoneidade ética e nem tampouco o afã pelo trabalho) se apoderavam do microfone em nome do “povo”, assassinando não apenas o bom português mas, sobretudo, o bom senso e a verdade. Discursos vazios a perderem-se num plenário tomado por moscas, baratas e CCs. Homens com apelidos de heróis (talvez para não sujar o próprio nome...), discursos de estadista, mas sentimentos de inseto, da mesma espécie que costuma infestar o bolo fecal. Contudo, ao que parece, o que vale é a leveza e maciez de um bom papel higiênico.

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[1] A pedido da amiga Eleni, professora como eu.  

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