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domingo, 25 de setembro de 2011

A Indisciplina Escolar no Campo do Direito


18-11-2010
A Indisciplina Escolar no Campo do Direito
Por Professor Gilvan

     A indisciplina escolar é, por certo, um tema de enorme relevância2, seja por sua atualidade, seja pelos reflexos no que tange ao processo ensino-aprendizagem, seja ainda pelas conseqüências – muitas delas profundamente preocupantes – sobre os “atores” envolvidos, em especial alunos, pais e educadores. Indisciplina escolar pode ser definida de inúmeras formas, contudo a maioria delas tendo em comum o mesmo sentido, qual seja, a de uma postura que agride os princípios de convivência estabelecidos na (às vezes, “pela”) escola, postura esta com graus variáveis de gravidade. As causas da indisciplina podem ser intrínsecas e/ou extrínsecas3, sendo as primeiras diretamente ligadas ao aluno (problemas de ordem clínica4 , enquanto as últimas estão associadas ao contexto, em especial a sociedade5 como um todo, a família e a escola. A sociedade tem, de forma flagrante, patrocinado o consumo exacerbado (consumismo) e irresponsável6 , onde o sujeito passa a ser medido pelo que tem.
     A superficialidade e o “descarte” das relações são a tônica. O aluno sofre com sua profunda “invisibilidade”. A família, por sua vez, há muito vive uma crise de autoridade, onde não restam claros os papéis. Não tem sido incomum mulheres que deveriam agir como mães, vestirem-se e portarem-se como adolescentes. Da mesma forma homens que deveriam agir como pais, porém insistem em não honrar com o respectivo papel. Tais pais privam seus mancebos dos necessários modelos. Quanto à escola, infelizmente – não raras vezes – tem adotado metodologias e instrumentos de avaliação carcomidas pelo tempo, que olvidam as idiossincrasias e diferentes formas de aprender. Privilegia-se uma educação “bancária” que agride a individualidade e sepulta sonhos, tornando o processo ensino-aprendizagem penoso e contraproducente.
     
A indisciplina escolar apresenta-se sob várias facetas, sendo uma delas o tão falado – às vezes, sem a profundidade e propriedade necessárias – bullying7. Esta forma de violência tem entre suas causas os estereótipos criados e alimentados pela própria sociedade. Esta, ao mesmo tempo que condena a violência entre os muros das instituições de ensino, estimula crianças e adolescentes aderirem a modelos não raras vezes equivocados de beleza, de força, de masculinidade... A mesma sociedade que condena a pedofilia é a que permite e instiga a sensualidade precoce dos pequenos corpos que dançam e desfilam ante os olhares orgulhosos dos genitores. Sob a capa da “inocência”, muitos são os pais que arriscam seus filhos e filhas, alijando-se do mínimo cuidado necessário frente às intempéries e descalabros da pseudo-modernidade. A prática do bullying é reforçada pela escassez de modelos apropriados, não aqueles vendidos nas prateleiras e vitrines dos supermercados e lojas ou anunciados em revistas e demais meios de comunicação.
     O bullying se fortalece, ainda, com a omissão e a falta de conseqüências ao comportamento cruel. As conseqüências? Ora, além do enorme prejuízo ao processo ensino-aprendizagem, a violência ocorrida no ambiente escolar pode acarretar ajuizamento de ações e sanções judiciais e extrajudiciais. A superação da violência nas escolas passa, necessariamente, pelo fomento de uma nova “consciência” alicerçada nos vínculos e modelos positivos.
     O Bom é que a Proposta Político-Pedagógica e o Regimento Escolar sejam construídos de fato pela comunidade escolar, que o currículo privilegie a cooperação e o lúdico. Uma escola que privilegie a justiça “restaurativa” e não a “retributiva”. Um ambiente escolar que fomente o diálogo, o respeito, a alteridade e a solidariedade8.
 
Uma das maiores preocupações das instituições de ensino – públicas e privadas – tem sido a forte tendência à judicialização dos conflitos envolvendo os atores que orbitam em torno da escola9. Vale lembrar, contudo, que às vezes tal apelo ao Estado se faz necessário.  
     Exemplo disso são os casos de atos infracionais, evasão, excesso de faltas, abuso sexual, entre outros. Por outro lado, às vezes a judicialização soa como exagerada e revela, em última instância, a incapacidade de diálogo e solução de problemas por parte dos envolvidos no conflito. Neste último caso, tensionam-se as relações, sobrecarrega-se o Judiciário e desumaniza-se o homem. Tem-se assistido a uma espécie de “inflação” normativa que busca “tratar” e, em tese, superar (sem nenhuma garantia de sucesso10) o problema da indisciplina escolar, especialmente a de maior grau de violência física e/ou psicológica. Exemplo desse quase “desespero” é o pedido para que o Conselho Estadual de Educação do Rio Grande do Sul se pronunciasse acerca da validade e necessidade dos chamados “princípios de convivência” e aplicação de eventuais punições a alunos indisciplinados11.
     
Conclui-se, portanto, que o problema da indisciplina escolar, bem como sua superação, é da responsabilidade de todos. Cabe à família resgatar seu papel disciplinador. A permissividade, a omissão e a indiferença devem dar lugar ao amor “exigente”, onde os pais jamais sejam cúmplices (amanhã, vítimas...) da desonestidade, da violência, da mentira, da desobediência, da indolência, do desrespeito e da falta de compromisso de seus filhos e filhas.
     À escola cabe, por sua vez, ter firmeza e regularidade quanto às regras estabelecidas, desde que necessárias e razoáveis. A banalização da punição e o “açoite” de notas devem ceder lugar à prevenção, ao diálogo, à formação e aprofundamento dos vínculos. O professor – como bem lembrou certa feita José Outeiral – deve lançar um “olhar viajante” em direção ao aluno, um olhar pautado na interdisciplinaridade, na criticidade, no respeito às diferenças, enfim, no amor. Por certo, não é uma caminhada fácil, nem tampouco curta, mas necessária. As “zonas de conforto” precisam ser rompidas. Somente assim engendraremos pessoas de bem, homens e mulheres verdadeiramente sadios, prontos a darem as respostas que este mundo cada vez mais globalizado precisa.

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1. O texto é uma pequena síntese do Trabalho de Conclusão do curso de Direito da Unisinos. Buscou-se dar um enfoque pedagógico e jurídico ao tema, iniciativa esta pouco usual na literatura hoje disponível.
2. A escolha do tema deu-se, seja pela relevância, seja pela experiência do autor como educador (desde 1992 lecionando junto ao Instituto de Educação São Francisco), Coordenador de Disciplina (trabalhando no respectivo Setor há mais de uma década), Assessor Jurídico da Secretaria Municipal de Educação de Cachoeirinha-RS (nos últimos quatro anos) e como pai de três filhos (onze, sete e quatro anos).
3. Normalmente, as causas intrínsecas e extrínsecas estão de tal forma imbricadas que torna-se temerário separá-las.
4. Nesses casos, mister é que seja feito o devido acompanhamento por parte do profissional competente, de modo a que se tenha um laudo que comprove o problema e permita, por parte da escola, o planejamento que venha ao encontro da real necessidade do educando). Nos casos “clínicos”, não deve haver espaço para o amadorismo e o “achismo”, seja por parte dos educadores, seja por parte da família.
5. Aqui entendida como uma espécie de “caldo cultural”.
6. Com sérias – e às vezes irreversíveis – conseqüências para o meio ambiente, para a saúde financeira da família, entre outros.
7. Pode ser definido como um ato cruel, deliberado, repetitivo, que busca “controlar” o outro, provocando medo, vergonha e baixa auto-estima. O bullying é uma violência física e/ou psicológica sistemática e que, segundo alguns autores, está intimamente associado ao ambiente escolar. Vale lembrar, ainda, o chamado ciberbullying, ou seja, a prática do bullying por meios eletrônicos como a internet. A experiência do autor junto ao Setor de Disciplina do Instituto de Educação São Francisco tem mostrado a urgente necessidade da família em acompanhar mais de perto o uso do computador por parte de crianças e adolescentes. Tem sido bastante comum o mau uso dos meios eletrônicos, equívoco este que pode trazer sérios problemas e alimentar demandas inclusive de ordem judicial.
8. Investir na prevenção e solução dialogada de conflitos, por certo, reduz o risco das instituições de ensino responderem judicialmente frente aos mais diversos problemas surgidos no dia-a-dia.
9. Exemplo dessa tendência são os diplomas legais que têm surgido. Sugere-se a leitura da Lei Municipal (Porto Alegre) nº 10.866/2010 que instituiu a “política antibullying”, com ênfase não na punição, mas nos chamados “círculos restaurativos”.
10. Defende-se aqui a tese de que, nem de perto, o problema seja de ordem “legal”. Vez por outra as iniciativas legislativas (em todas as esferas) têm vindo mais ao encontro de interesses pessoais e “eleitoreiros” do que auxiliado, de fato, na superação do problema. Sugere-se a leitura e análise do Estatuto da Criança e do Adolescente, diploma este muitas vezes “mal-amado” pelos educadores, que o acusam de ser excessivamente permissivo e condescendente em relação a eventuais condutas de indisciplina por parte de crianças e adolescentes. Grande equívoco, pois que o ECA busca, isto sim, é a garantia da dignidade da pessoa humana, vendo as crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, direitos estes que devem e precisam ser respeitados. Protege-se o indivíduo (e, com ele, a própria coletividade...) e não sua conduta!
11. O CEEd/RS, através do Parecer nº 820/2009, deixou claro que cabe à comunidade escolar a criação de regras que sejam claras, razoáveis e conhecidas por todos. Além disso, o Conselho enfatizou a necessidade da escola garantir – quando diante de situações de indisciplina – o contraditório e a ampla defesa.
12. O Instituto de Educação São Francisco há bastante tempo vem garantindo um nobre “espaço” para reflexão e discussão de problemas dos mais variados. É o Fórum de Pais, que ocorre sempre na primeira segunda-feira do mês. Sugere-se a visita ao site da Escola.

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