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domingo, 25 de setembro de 2011

Indisciplina e fé

INDISCIPLINA E FÉ
Prof. Gilvan Teixeira



            Iniciei minha vida docente em 1992 em escolas da capital gaúcha e região metropolitana. São mais de quinze anos no magistério, tanto público quanto privado. Há mais de uma década que estou à frente de um Setor atinente à disciplina, melhor, à indisciplina dos alunos, a maioria em tenra idade. São crianças e adolescentes maravilhosos em sua maioria, apesar das inúmeras queixas acerca da conduta e atitudes dos jovens mancebos. A maior parte das reclamações dos mestres está associada ao excesso de conversa inoportuna (na ótica do educador), à falta de concentração e de hábitos de estudo, às “brincadeiras” que geram pequenos conflitos em sala de aula, enfim, “delitos” de pequeníssimo poder ofensivo. Claro que, também, nos deparamos com alguns – poucos, é verdade – problemas e desvios de comportamento mais sérios como, por exemplo, agressões físicas, furtos, pichações, ameaças e outras ações que, no mundo dos adultos, não raras vezes, poderiam ser enquadradas como crimes, pois que previstos no Código Penal Brasileiro[1]. Sabemos, ainda, que – como dissemos anteriormente –, no nosso caso[2], trata-se de uma situação privilegiada, se comparada àquela vivida pela maioria das instituições, especialmente públicas[3], onde depara-se – muitas vezes – com situações desesperadoras, de quase que total permissividade, vitimando não apenas os próprios alunos mas, também, os profissionais da educação, fomentando sentimentos de impotência e estados de depressão, bem como aumentando de maneira significativa e preocupante os casos de inúmeras doenças relacionadas ao exercício da profissão. O prejuízo tem sido incalculável, seja quanto à qualidade do ensino, seja do ponto de vista formativo, humano, previdenciário, coletivo, etc.. Os tão decantados “limites” há muito têm se mostrado coisa do passado. O discurso de alguns psicopedagogos, apesar de bem construídos e repletos de chavões acadêmicos, não dá resposta concreta aos problemas levantados. O diagnóstico de alguns médicos e psicólogos, por sua vez, às vezes não fazem mais do que mascarar sérios transtornos de personalidade. Já os pais, não tem sido incomum, ou fecham os olhos para o comportamento “desviante” do filho, numa postura visivelmente passiva e omissa, ou faz do jovem a “vítima”, o “perseguido”, apelando não raras vezes para o Judiciário como forma de cobrar o “dano moral” pretensamente sofrido. Cria-se, desta forma, uma espécie de “ciclo vicioso”, onde cada vez mais as escolas se acovardam quanto à cobrança de regras e limites, alimentando – ainda mais – esta ciranda trágica e dantesca onde todos perdem.

            Há solução? Quiséramos ter a certeza que sim. Contudo, sabemos, não temos o direito – enquanto pais e educadores que somos – de deixar de tentar. Erremos pelo zelo e não pela omissão, pelo excesso de cuidado e não pela falta, do contrário o preço seguirá sendo por demais alto. Acredito que, em grande parte, a resposta ao problema passa pela fé, esta não um conceito vazio e institucionalizado sob a forma desta ou daquela placa denominacional  - não que deixemos de freqüentar a igreja “x” ou “y”, muito pelo contrário... -, mas uma fé pautada numa ação, fundada em atitudes propositivas capazes de tensionar, de questionar e de modificar. Uma fé transformadora, uma fé incapaz de esconder-se por detrás do silêncio procrastinador, avessa ao discurso politicamente correto mas sem resultado. Uma fé que amalgame-se com outras, num esforço coletivo, mas onde seja preservado e respeitado o indivíduo, suas idiossincrasias, suas particularidades e responsabilidades. Uma fé intransigente com o pecado da imoralidade, da falta de ética, da escassez de respeito. Uma fé avessa à impunidade, à deslealdade e à mentira. Uma fé, acima de tudo, associada ao amor, mas a um amor de fato exigente.   
  


[1] Não que tais delitos não sejam motivo de alguma espécie de “sanção”. O Estatuto da Criança e do Adolescente, contudo, parte de uma ótica muito mais protetiva, pois que busca assegurar a integridade física e psicológica do menor, em especial dos que estão em estado de “vulnerabilidade”.
[2] Desde 1992 leciono no Instituto de Educação São Francisco, uma instituição católica localizada em Porto Alegre. Há mais de dez anos estou no Setor de Disciplina, onde hoje sou seu Coordenador. Além disso, entre 1992 e 2007 trabalhei no Instituto de Educação Huberto Rohden, em Cachoeirinha, cidade onde desde 1994 sou funcionário público municipal, já tendo trabalhado com EJA, Ensino Fundamental e Educação Inclusiva. Trabalhei na Secretaria Municipal de Educação e Pesquisa do Município, junto ao setor dos Aspectos Legais. Hoje (2011), leciona na EJA da EMEF Getúlio Vargas, em Cachoeirinha.
[3] Não que a situação das escolas privadas seja muito melhor do que a das públicas. A diferença está em que nestas últimas, normalmente, a estrutura física e de pessoal é mais precária, o que – não temos dúvida – agrava a situação.

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