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domingo, 25 de setembro de 2011

Anarquistas, graças a Deus...

ANARQUISTAS, GRAÇAS A DEUS...
Gilvan Teixeira[1]


            Quando jovem, parecia inaceitável do ponto de vista prático e teórico qualquer simpatia aos ideais anarquistas. “Um bando de loucos”, pensava. Como aceitar qualquer apologia à inexistência do Estado? Como viveriam e se organizariam os homens? Como resolveriam suas demandas? Como poriam fim aos conflitos natural e artificialmente surgidos? O anarquismo, quando muito, poderia se sustentar no plano teórico e olhe lá. Mais parecia um modismo típico da pequena-burguesia ou um sonho nascido por entre a fumaça de um baseado. O tempo passou. Hoje tenho o que outrora não possuía no que tange ao conforto e bens materiais. Poderia deitar a cabeça sobre o travesseiro e dormir à guisa da dor e sofrimento alheios. Seguir pagando minha aposentadoria privada, meu plano de saúde, a prestação da casa própria ou do carro recém comprado. Uma boa vida comprada à prestação, com crédito fácil, apesar de caro. Poderia, mas não consigo. O Estado, não o Estado enquanto instituição historicamente formada, mas o Estado brasileiro anoja. Causa asco. A cada dia, mais me convenço da absoluta nulidade que representa o Estado neste país. Além de caro, muito caro, é ineficiente, incompetente, inoperante, insuficiente, ineficaz... Só falta ser “inexistente”. Acho que é isso que passarei a defender. A inexistência do Estado, como pregavam os anarquistas há quase um século. Para que serve o Estado brasileiro? Acho que a pergunta é: a quem serve o Estado brasileiro? Certamente não está a serviço da população em geral. Nada que é público funciona. Saúde? Um caos. Hospitais sucateados, abarrotados de crianças, jovens, homens, mulheres e idosos que mais parecem gado pronto para o abate, só aguardando a hora da morte. Segurança? A criminalidade é assustadora, alimentada pelo tráfico crescente e incentivada pela certeza da impunidade. No Brasil, desarma-se o cidadão e solta-se o bandido. Resolve-se o problema da superlotação dos presídios, a incompetência e ineficiência do Judiciário expondo as famílias à violência reiterada. Ensino? A escola pública tem formado levas e mais levas de analfabetos não apenas políticos, mas crianças e jovens incapazes de interpretarem textos e a própria vida. Falta de professores, livros didáticos de qualidade duvidosa adquiridos em licitações fraudulentas, prédios sombrios e depredados, falta de merenda ou alimentação inadequada comprada a preços por demais “salgados”, salários aviltantes, são apenas alguns dos problemas que avassalam o ensino público brasileiro. Os únicos serviços públicos que funcionam, e mesmo assim de forma limitada e localizada, são aqueles repassados à iniciativa privada, onde o contribuinte paga duas vezes. Primeiro, porque em regra são estruturas caríssimas construídas com dinheiro público e, posteriormente, repassadas, às vezes de forma duvidosa (por que não criminosa?), a particulares. Segundo, porque uma vez nas mãos da iniciativa privada, tais serviços – apesar da qualidade questionável – são vendidos à população a preços exageradamente caros. Por que Estado? Executivo, Judiciário, Legislativo? Sejamos sinceros: a relação “custo-benefício” não é insustentável? O sistema partidário no Brasil jamais funcionou. Hoje, então... Uma verdadeira sopa de letrinhas. Incompreensível, confuso, não-confiável, sem qualquer identidade, senão aquela associada a privilégios espúrios e enriquecimento ilícito. Oposições destituídas de qualquer postura ética ou moral capaz de convencer o mais ébrio entre os mortais. Governistas que loteiam secretarias à guisa do interesse público. O “fio do bigode” há muito vem sendo substituído por cuecas, meias... O Executivo neste país segue com os mesmos vícios e distorções da República Velha. O Judiciário, outrora temido e respeitado por seu discurso hermético (e vazio!) e suas togas escuras, hoje é motivo de piada de boteco. Não julga e quando o faz, mais faz parecer um arremedo de jocosa peça de comédia pastelão. Esferas federal, estaduais e municipais. Nada escapa à corrupção entranhada nas estruturas do poder. O cidadão de bem – que é a maioria – está entregue à própria sorte, abandonado, órfão do Estado. Somos filhos bastardos. Jamais tivemos um pai (Estado) verdadeiro, só arremedo. Falsificação cara, não apenas do ponto de vista econômico, mas histórico.

            Frente ao exposto, conclamo homens e mulheres de boa-vontade a negarem o Estado. Sublevarem-se contra os impropérios, descalabros, distorções, desvios, mentiras representadas pelo Estado brasileiro. Este precisa ser extinto e, de preferência, sobre ele jogado sal, de forma a que jamais renasça. Não da forma que é. O Estado brasileiro precisa ser “refundado”, a partir de outros fundamentos que não os que por hora existem. O Estado deve pertencer aos brasileiros como um todo, respeitadas as diferenças e divergências de ordem política ou ideológica. O interesse público (maioria) deve prevalecer em relação ao interesse individual. O garantismo penal, por exemplo, não deve ser confundido com aquiescência e condescendência em relação à prática delituosa. Preso deve estar quem comete o delito, preso e – de fato – ressocializado, não solto como se nada tivesse acontecido. Os dilapidadores do patrimônio público (hoje protegidos por uma legislação falha e um Judiciário lento) devem ser penalizados de forma exemplar, de modo a que sirvam de exemplo a todo e qualquer criminoso que intente confundir o que é público com o que é privado. São eles os mais poderosos e perigosos delinqüentes, pois que as conseqüências de seus delitos comprometem a qualidade de vida de centenas, milhares e milhões de pessoas. Devem ser execrados não apenas do convívio social, mas da vida pública. Hoje, não apenas estão soltos como ainda ocupam lugar de destaque junto aos mais diversos corredores e gabinetes do Estado e das agremiações partidárias. Estado de verdade é aquele que se mostra capaz de estabelecer prioridades conforme as reais necessidades da população. Escolas, hospitais, vias de transporte (rodoviário, ferroviário, hidroviário, etc.), investimentos em infra-estrutura não podem ser preteridos por conta da construção de estádios de futebol ou viadutos que nada ligam. A já conhecida política do “pão e circo” precisa dar lugar à construção da verdadeira cidadania, esta só existente quando do acesso da maioria à boa qualidade de vida. Os números “positivos” da economia e da tão decantada “estabilidade” econômica precisam travestir-se em saúde, educação e moradia. As políticas públicas não podem se restringir às práticas superficiais e eleitoreiras como o “Bolsa Família”, haja visto que estas últimas nada mais fazem do que criar “currais eleitorais” que avassalam consciências e reforçam o que há de mais podre nas relações políticas. Cabe à sociedade civil organizada – movimentos políticos (não partidários), associações de bairro, estudantes, etc. – buscar novos caminhos capazes de “refundarem” o Estado brasileiro. Este, como está, não merece ser “alimentado” pelos tributos[2] que faltam à alimentação, ensino e saúde de nossos filhos. A chamada “classe média”, por exemplo, tem pago de forma concomitante ao Estado e à iniciativa privada por todos os serviços essenciais. Paga duas vezes. No Direito, quem paga mal, paga duas vezes. É o que temos feito. Ah, que saudade dos anarquistas...   


[1] Professor. Formado em História e Direito, pós-graduado em Ensino Religioso.
[2] A carga tributária no Brasil é insana. A ganância do Estado somado à malversação dos recursos públicos tem estimulado a sonegação.

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