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domingo, 25 de setembro de 2011

Ser criança


O texto foi escrito em 2010. Hoje meu filho tem oito anos, mas o sentimento é o mesmo.


SER CRIANÇA
Prof. Gilvan


            Quando piá, lembro ainda hoje, gostava de assistir o Pica-Pau, Pantera-Cor-de-Rosa, Tom e Jerry, Vila Césamo, O Sítio do Pica-Pau Amarelo, Ciborg – “o homem de cem milhões de dólares” (eram cem?), assim como tantos outros programas. Tempos bons aqueles. Melhor ainda quando, na penumbra da noite, meu pai contava suas histórias (Pedro Malasarte, A Esporinha de Prata ...). Eram sempre as mesmas narrativas, ainda assim ficávamos – eu e meus irmãos – absortos e envolvidos na trama. No fundo, o que nos encantava era a simples presença de Seu Antonio. Engalfinhávamos sobre a cama, cada qual buscando ficar mais próximo do pai. Saudade daquele tempo. Dizem que a infância hoje é diferente. Os brinquedos dispensam a criatividade e a imaginação, quando não qualquer espécie de esforço físico, contribuindo para (de)formação de levas e levas de crianças obesas. Pior do que a gordura que entope veias e artérias é a do tipo que entorpece os sentidos e a alma. Estaria o imaginário infantil definhando sobre o leito do chamado mundo moderno? A impressão que se tem é de que, desde muito cedo – feito os adultos – as crianças valorizam a aparência em detrimento da essência. O rótulo ao invés do conteúdo. O “ter” no lugar no “ser”. Caminhamos em direção à extinção da infância? O quadro, apesar de – às vezes – parecer desolador, guarda claros sinais de que os agourentos podem estar equivocados. Ainda pouco, observava meu filho de sete anos dormindo. Dormia feito criança! Os cílios em movimento denunciavam que, por detrás dos olhos cerrados, sonhava. Sonhos de criança. Talvez os heróis que habitam seus sonhos já não sejam os do meu tempo. Contudo, a sensação da aventura, do sobrenatural, da fantasia guarda profundas semelhanças com minha infância. A inocência e a esperança se fazem presentes. Nós, adultos – muitas vezes, inconscientemente tristes – , maiores responsáveis pelas desgraças trazidas pela guerra, pela cobiça, pela inveja, pela intolerância, pela mentira, pela indiferença, não temos o direito de apagar, mesmo que tênue centelha, a infância. Deixemos as crianças vivenciarem a infância. Sejamos como que faróis dessas pequenas caravelas que, mesmo sem o saberem, buscam um norte. Sirvamos de modelo, de exemplo. Tenhamos a destreza necessária para conciliarmos disciplina e amor, firmeza e ternura, renúncia e fantasia. Desejamos, nós adultos, um feliz Dia da Criança!   

Sami: um caso a se pensar

O texto abaixo foi escrito no final de 2010.


SAMI: UM CASO A SE PENSAR
Prof. Gilvan

            Sequer sei se a grafia do nome está correta. Não importa. Poderia ser João, Pedro, Maria, Joana... Percebeu-se que os professores, reunidos em Conselho, estavam incomodados com a situação do aluno da EJA. Segundo relato de um deles, o educando vinha apresentando sérias dificuldades e ausência quase que completa dos pré-requisitos ditos necessários para o enfrentamento da etapa seguinte, o Ensino Médio. Os demais professores que já haviam dado aula ao aluno, não titubearam em concordar com o colega. “Falas” brotaram da reunião. Alguns alegavam – sem nenhuma base científica ou clínica – ter o educando chegado ao “limite”. Ora, que limite? Há de se questionar tal discurso, pois que – cada vez mais – temos contribuído para (de)formação dos alunos. Estes aprendem cada vez menos. O “limite” da aprendizagem que lhes é apresentado tem sido a cada dia mais aquém do desejável e do necessário aos desafios que aí estão. Joga-se para o aluno a responsabilidade do não-aprender. Ele que é “fraco”!  Acomoda-se o professor e esconde-se por detrás de uma pretensa proteção e benevolência em relação ao educando. A não-exigência em relação ao aluno é, no fundo, a não-exigência em relação ao trabalho do próprio educador. Cria-se um triste ciclo de acomodação e boçalidade intelectual, ciclo este que se desnuda nos pífios resultados em todos os exames nacionais que medem, mesmo que de forma parcial (por que não dizer questionável?), o nível escolar da presente geração de alunos. Alguns professores demonstraram profunda tristeza ante o desgosto e decepção em noticiar a reprovação ao Sami. Por que, quiçá, não aprová-lo em nome do “emocional”? Apesar de difícil, momentos como o vivido no Conselho devem servir para reflexão acerca do “fazer pedagógico”. Crítica e autocrítica devem comungar na mesma mesa. Crítica em relação, por exemplo, à desassistência por parte da mantenedora. Esta, historicamente tem olvidado de suas obrigações legais e morais frente às dificuldades enfrentadas pelos professores e alunos em sala de aula. Sobram discursos, enquanto escassas são as ações verdadeiramente eficazes. Onde estão os profissionais com competência técnica para detectarem e, na medida do possível, sanarem as dificuldades de aprendizagem por parte dos educandos, orientando o professor para que este adote metodologias que venham ao encontro das reais necessidades de seus alunos? Onde estão os “laboratórios de aprendizagem” devidamente estruturados junto às escolas? Os profissionais devidamente habilitados para o atendimento junto a esses “espaços”? Por outro lado, mister é que se faça uma autocrítica enquanto corpo docente. Até que ponto estamos qualificando nossas aulas? Até que ponto estamos a exigir dos alunos e de nós mesmos? Infelizmente, não é incomum percebermos professores mais preocupados com as “horas” acumuladas nos Seminários e Cursos de Formação do que propriamente com o conteúdo dos mesmos. Certificados, Promoções e Mudanças de Nível no Plano de Carreira são, não raras vezes, o objetivo primeiro de muitos de nossos colegas. O aluno é um mero “detalhe”. Prova disso é que, apesar de todos os investimentos que são feitos (às vezes, mal feitos é verdade...) na formação de professores, os resultados são risíveis e vergonhosos. Somos para os contribuintes – a maioria deles, sem vez e sem voz – um profissional excessivamente caro. É mais do que hora de cortarmos na própria carne. Urge uma reflexão profunda e sincera acerca de nosso papel e da função da Escola como um todo. Faz-se de conta que se ensina, faz-se de conta que se aprende. Como explicar que alunos (tanto no Ensino dito Regular quanto na EJA) de 8ª série ou última etapa do Fundamental sigam para o Médio sem saberem ler e escrever de forma minimamente aceitável? Alunos incapazes de interpretarem textos e a própria realidade. Alunos sem competência para produção textual e escrita da própria história? Deve restar claro que o que se discute aqui não é a “nota” ou “parecer” capaz de aprovar ou reprovar o Sami. Chama-se a atenção é para aquilo que está por detrás das mensurações numéricas ou textuais. Que aluno queremos formar? Que aluno estamos formando? Qual a distância entre o que se tem e o que se quer? O que é necessário fazer? O que está ao nosso alcance? O que depende de nós? O que não depende? De quem se deve cobrar? Como cobrar? Enfim, eis aí algumas das perguntas que devem nortear a salutar discussão a ser travada nas entranhas da Escola. Preferencialmente, com a participação de todos os segmentos da comunidade escolar: professores, funcionários, alunos e pais. O Sami é apenas mais um entre tantos outros casos “desconcertantes”. Mais do que demonstrações de “sentimentalismo” (que se esvaem tão rapidamente quanto surgem...), precisamos transformar momentos como o dele em força propulsora de mudanças no agir pedagógico.


Cachoeirinha, 22 de dezembro de 2010. 

O Mato do Julho

O texto foi escrito em 2008, nascendo de algumas "impressões" acerca dos corredores de uma repartição pública. "Mato do Julho" é o nome dado a uma extensa área ainda não ocupada, em Cachoeirinha.


O MATO DO JULHO
Gilvan Teixeira


            Quem diria, Cachoeirinha tem uma selva. Nela, dizem, um é o dia do caçador, outro o da caça. Acredito que somos, todos, caça. Contudo tem caça que jura, de pés juntos, ser caçador. Pobre e ignorante ser, incapaz de reconhecer sua própria essência. Torna-se presa ainda mais fácil. Não fosse tal sentimento, quiçá as caças se unissem e tornassem a luta mais equilibrada. As caças, as temos de todas as espécies. A “traiçoeira” que, sorrateira e silenciosamente, adentra no mundo de suas iguais procurando fazer o “serviço sujo” que sequer o caçador o faria. Acredita com isso obter vantagem, talvez uma relva a mais, ou ainda uma vida mais prolongada. Assim o será, até que o queira o caçador. Temos a caça “simpática” que a todos faz rir. Contudo não passa de tão-somente uma caça risonha e, como todas a outras, fadada a mais cedo ou mais tarde ver seu corpo estendido ao chão. Pelo mato passeiam a caça “condescendente”, a “melancólica”, a “parceira” (assim chamada porque, vez por outra, parte o coração de suas irmãs...), a “politizada” que – de maneira não incomum – esquece suas convicções e bandeiras de outrora, frente à ilusão de comungar à mesa do caçador. Temos, ainda, a caça que, apesar de velha e carne dura, empertiga-se na crença de ser bela. Existe até aquela espécie que, “medrosa”, se travesti em pedra na tentativa de esquivar-se à atenção do caçador. Cedo ou tarde, o inimigo ali tropeçará e a lançará ao longe, pois que imprestável. Quieta e resignada, mas sem serventia. É bem verdade que existe a que ao se transformar o faz em forma de diamante e aí é recolhida pelo caçador, virando moeda de troca e de escambo dentro da selva. Brilhante, mas vazia, pois de tal sorte acredita ser pedra que acaba por perder a seiva que corre nas veias de quem é caça. Talvez a certeza de que pedra não é, venha com a morte (pedras não morrem), onde nenhuma caça a velará e nem chorará por ela, pois que pelas pedras o coração não se condói. Em Cachoeirinha temos uma selva, onde todos os dias são do caçador.



O leprosário

O texto abaixo foi escrito em 2008, em pleno período de campanha eleitoral. Lembro que daqui alguns dias teremos eleição para direção de escola.


O LEPROSÁRIO
Gilvan Teixeira

            Época de campanha é assim. A cidade inteira vira um leprosário. Pessoas antes bem quistas e simpáticas, passam a lutar contra o ostracismo. São alijadas do convívio com aqueles que, ainda ontem, comungavam à mesma mesa. Vive-se a quarentena, onde todos são suspeitos em potencial. Alguns tentam esquivar-se, correm daqui, correm dali, mas não adianta. Persiste a sensação de que olhos delatores os miram. Não há saída. Muros – a maioria tomados ou pelas pichações ou pelas propagandas -, placas, prédios, ruas e avenidas, tudo parece ter olhos e ouvidos aguçados e prontos à traição. Um vacilo e pronto. Leprosário na certa. A cidade passa a ser dividida, feito o Mar Vermelho, entre os amigos (partidários) e os inimigos. Não há espaço para o meio-termo, nem tampouco para a neutralidade. É dentro ou fora. “Ame-o ou deixe-o”, diriam os gringos. Alguns, por temor ou conveniência ostentam bandeiras. Conservam-se as aparências e os FGs. As feridas, fétidas e abertas, só são vistas conforme o matiz partidário do doente. O limite entre o remédio e o veneno é tênue e casual. Problema não de saúde pública, mas moral e cultural, onde apesar dos penduricalhos e tambores dos pretendentes aos cargos públicos, o que prevalece é um grande vazio, verdadeiro Saara de valores e propostas. Enquanto isso, o Leprosário enche. Bom lugar este, pois que os doentes seguem à solta na cidade, tendo as feridas envoltas pelas bandeiras.


Indisciplina e fé

INDISCIPLINA E FÉ
Prof. Gilvan Teixeira



            Iniciei minha vida docente em 1992 em escolas da capital gaúcha e região metropolitana. São mais de quinze anos no magistério, tanto público quanto privado. Há mais de uma década que estou à frente de um Setor atinente à disciplina, melhor, à indisciplina dos alunos, a maioria em tenra idade. São crianças e adolescentes maravilhosos em sua maioria, apesar das inúmeras queixas acerca da conduta e atitudes dos jovens mancebos. A maior parte das reclamações dos mestres está associada ao excesso de conversa inoportuna (na ótica do educador), à falta de concentração e de hábitos de estudo, às “brincadeiras” que geram pequenos conflitos em sala de aula, enfim, “delitos” de pequeníssimo poder ofensivo. Claro que, também, nos deparamos com alguns – poucos, é verdade – problemas e desvios de comportamento mais sérios como, por exemplo, agressões físicas, furtos, pichações, ameaças e outras ações que, no mundo dos adultos, não raras vezes, poderiam ser enquadradas como crimes, pois que previstos no Código Penal Brasileiro[1]. Sabemos, ainda, que – como dissemos anteriormente –, no nosso caso[2], trata-se de uma situação privilegiada, se comparada àquela vivida pela maioria das instituições, especialmente públicas[3], onde depara-se – muitas vezes – com situações desesperadoras, de quase que total permissividade, vitimando não apenas os próprios alunos mas, também, os profissionais da educação, fomentando sentimentos de impotência e estados de depressão, bem como aumentando de maneira significativa e preocupante os casos de inúmeras doenças relacionadas ao exercício da profissão. O prejuízo tem sido incalculável, seja quanto à qualidade do ensino, seja do ponto de vista formativo, humano, previdenciário, coletivo, etc.. Os tão decantados “limites” há muito têm se mostrado coisa do passado. O discurso de alguns psicopedagogos, apesar de bem construídos e repletos de chavões acadêmicos, não dá resposta concreta aos problemas levantados. O diagnóstico de alguns médicos e psicólogos, por sua vez, às vezes não fazem mais do que mascarar sérios transtornos de personalidade. Já os pais, não tem sido incomum, ou fecham os olhos para o comportamento “desviante” do filho, numa postura visivelmente passiva e omissa, ou faz do jovem a “vítima”, o “perseguido”, apelando não raras vezes para o Judiciário como forma de cobrar o “dano moral” pretensamente sofrido. Cria-se, desta forma, uma espécie de “ciclo vicioso”, onde cada vez mais as escolas se acovardam quanto à cobrança de regras e limites, alimentando – ainda mais – esta ciranda trágica e dantesca onde todos perdem.

            Há solução? Quiséramos ter a certeza que sim. Contudo, sabemos, não temos o direito – enquanto pais e educadores que somos – de deixar de tentar. Erremos pelo zelo e não pela omissão, pelo excesso de cuidado e não pela falta, do contrário o preço seguirá sendo por demais alto. Acredito que, em grande parte, a resposta ao problema passa pela fé, esta não um conceito vazio e institucionalizado sob a forma desta ou daquela placa denominacional  - não que deixemos de freqüentar a igreja “x” ou “y”, muito pelo contrário... -, mas uma fé pautada numa ação, fundada em atitudes propositivas capazes de tensionar, de questionar e de modificar. Uma fé transformadora, uma fé incapaz de esconder-se por detrás do silêncio procrastinador, avessa ao discurso politicamente correto mas sem resultado. Uma fé que amalgame-se com outras, num esforço coletivo, mas onde seja preservado e respeitado o indivíduo, suas idiossincrasias, suas particularidades e responsabilidades. Uma fé intransigente com o pecado da imoralidade, da falta de ética, da escassez de respeito. Uma fé avessa à impunidade, à deslealdade e à mentira. Uma fé, acima de tudo, associada ao amor, mas a um amor de fato exigente.   
  


[1] Não que tais delitos não sejam motivo de alguma espécie de “sanção”. O Estatuto da Criança e do Adolescente, contudo, parte de uma ótica muito mais protetiva, pois que busca assegurar a integridade física e psicológica do menor, em especial dos que estão em estado de “vulnerabilidade”.
[2] Desde 1992 leciono no Instituto de Educação São Francisco, uma instituição católica localizada em Porto Alegre. Há mais de dez anos estou no Setor de Disciplina, onde hoje sou seu Coordenador. Além disso, entre 1992 e 2007 trabalhei no Instituto de Educação Huberto Rohden, em Cachoeirinha, cidade onde desde 1994 sou funcionário público municipal, já tendo trabalhado com EJA, Ensino Fundamental e Educação Inclusiva. Trabalhei na Secretaria Municipal de Educação e Pesquisa do Município, junto ao setor dos Aspectos Legais. Hoje (2011), leciona na EJA da EMEF Getúlio Vargas, em Cachoeirinha.
[3] Não que a situação das escolas privadas seja muito melhor do que a das públicas. A diferença está em que nestas últimas, normalmente, a estrutura física e de pessoal é mais precária, o que – não temos dúvida – agrava a situação.

Flexibilização ou retenção?

O texto abaixo foi escrito quando do surgimento de uma situação fática, há algum tempo atrás, quando atuava na SMEd de Cachoeirinha. Desde então, mudanças houveram, inclusive no que tange à terminologia. Hoje, a intenção do MEC aponta para a não-retenção nos três primeiros anos do Ensino Fundamental. 

FLEXIBILIZAÇÃO OU RETENÇÃO?
Gilvan Teixeira


            Discutir e entrar na seara da chamada “Educação Especial”, ou do ensino voltado àqueles que têm necessidades educacionais especiais é algo perigoso, mas necessário para um leigo. Perigoso porque incorremos no risco de opinarmos de forma precipitada e demasiadamente equivocada, resultado de uma certa (ou grande!) boçalidade e ignorância quanto ao assunto.  Necessário porque, seja como pais em potencial ou como educadores, estamos sujeitos a mais cedo ou mais tarde nos depararmos com situações concretas que nos coloquem frente a frente com um caso desses. Não temos dúvida de que se faz necessário ouvirmos e aprendermos com especialistas no tema, profissionais que diuturnamente se debruçam, por exemplo, sobre questões orgânicas, pedagógicas, sócio-afetivas e tantas outras que dizem respeito às necessidades educacionais especiais (N.E.E.). Parece-nos claro, ainda, que é imprescindível aguçarmos os ouvidos para a fala e os ensinamentos vindos dos educadores, dos que representam o Poder Público, dos que respondem pelos Conselhos de Educação, dos pais de alunos com NEE, dos Conselhos Escolares, das entidades públicas e privadas que lidam direta ou indiretamente com a questão. Enfim, muitos são os que podem e devem participar de maneira ativa e propositiva no sentido de construirmos uma política que seja de fato inclusiva. Dito isso, gostaríamos de tecer algumas singelas considerações acerca do assunto.


            Partamos de um fato concreto. Imaginemos uma criança com NEE, com um quadro grave de deficiência mental ou múltipla[1]. Forcemos a imaginação e coloquemos tal aluno no primeiro ano do ensino fundamental de nove anos. Final do ano letivo. Pergunta-se: o que fazer com ele? Trabalhemos com duas alternativas, quais sejam: a primeira é a que propõe deixá-lo no primeiro ano, enquanto a segunda alternativa defende a idéia de que o aluno avance para o segundo ano. Eis o fato, nu e cru. À primeira vista, os que defendem a primeira alternativa serão ou acusados de arautos do retrocesso ou, então, elogiados por evitarem de mandar adiante um problema já anunciado. Da mesma forma os que aderem à segunda proposta, serão acusados de “moderninhos” e teóricos irresponsáveis, ou então receberão aplausos pela capacidade de ousarem. Todavia, nos parece, a discussão é bem mais complexa. Exige-se um grande grau de discernimento e um pouco de humildade. Vaidades pessoais e interesses nem sempre muito claros  talvez tenham  que ser abandonados e deixados de lado em nome de algo maior, a saber o interesse do aluno, este sujeito de direito e de fato.


            Sob o ponto de vista formal, nos parece, a pretensa “flexibilização” apregoada pelos que defendem a permanência do aluno no primeiro ano não passa, na prática, de “retenção” (ou, num linguajar mais popular, “reprovação”). Sem a preocupação de tecermos uma opinião valorativa acerca da validade pedagógica do ato, a questão é que no “frigir dos ovos” a ação será interpretada como retenção. Diante dos olhos dos colegas, talvez da própria família (caso não seja feito todo um trabalho de convencimento), para fins de registro e documentação (histórico escolar), enfim, estaremos diante de um caso, ressaltamos, de retenção (reprovação). Não bastasse isso, a legislação – em especial a LDB – aponta em sentido inverso, qual seja o do “avanço” e da “promoção”, sem distinguir, diferenciar ou discriminar este ou aquele aluno, independentemente do comprometimento que, eventualmente, possua. Da mesma forma Pareceres e Resoluções, de diversas esferas, mostram-se taxativos quanto à retenção de aluno no primeiro ano, vedando-a. Não conseguimos vislumbrar no ordenamento jurídico, nem tampouco nas orientações emanadas dos Conselhos (federal, estadual e/ou municipal), “brechas” que permitam e dêem a quem quer que seja – por mais consistente que seja a argumentação - o poder de, à guisa da lei, reter o aluno no primeiro ano do ensino fundamental de nove anos. Sempre que o termo “flexibilização” foi usado em documentos nascidos nas entranhas dos órgãos e colegiados deste país foi no sentido de tornar flexível o currículo, a prática docente, as “estruturas” físicas e pedagógicas das instituições de ensino, de modo a receberem os alunos com NEE[2]. Quando vemos o termo “flexibilização” ser usado no sentido temporal, aí percebemos que o legislador (ou o conselheiro) teve a preocupação de salvaguardar os casos já previstos em lei[3] .  Os argumentos utilizados pelos que defendem a “flexibilização” do tempo do aluno com NEE no primeiro ano, são, diga-se de passagem, bem construídos e vem ao encontro de preocupações sinceras, pertinentes e honestas em relação à aprendizagem e desenvolvimento cognitivo, motor, social, etc., da criança. Contudo, o que nos parece, é que o caminho proposto por eles é equivocado do ponto de vista da legislação. Esta, ao que tudo indica, aponta para um caminho diferente, qual seja o da construção e oferta de uma “estrutura” não apenas física, mas de “serviços” especializados capazes de dar respostas às demandas surgidas[4]. Conclui-se, portanto, ser temerário a opção, do ponto de vista prático e fático (mesmo que do ponto de vista do discurso assim não pareça),  pela retenção, por melhor que seja a intenção, pois que, acreditamos, infringiríamos não apenas a lei (seja na letra, seja no espírito que a motivou) mas, sobretudo, lesaríamos o direito da criança.  


[1] Um quadro como aquele descrito, por exemplo, no Parecer do CEE nº 56 de 2006.
[2] A Resolução nº 02 do CNE, de 2001, em seu art. 8º, inciso III, diz que “As escolas da rede regular de ensino devem prever e prover na organização de suas classes comuns: (....) flexibilizações e adaptações curriculares (grifo nosso) que considerem o significado prático (...) dos conteúdos básicos (...) e processos de avaliação adequados ao desenvolvimento dos alunos que apresentam NEE (...)”
[3] A mesma Resolução acima citada, em seu art. 8º, inciso VIII, ao falar em “temporalidade flexível do ano letivo”, finaliza o inciso dizendo ser o mesmo aplicável “principalmente” nos anos finais do ensino fundamental. Isso denota, acreditamos a preocupação em não lesar a lei.  Vale lembrar que o Parecer nº 56 do CEE, de 2006, como que reproduz a Resolução supra citada.
[4] O Parecer nº 56 do CEE, no ponto 3.5.6, por exemplo, fala num “currículo funcional”. A Resolução nº 02 do CNE, por sua vez, traz à luz, em seu art. 10, chama à participação e responsabilidade conjugada com as áreas da Saúde, Trabalho e Assistência Social. 

Educação Libertadora

O texto abaixo data de 2007 e foi escrito com o olhar voltado às escolas públicas municipais (Cachoeirinha):


EDUCAÇÃO LIBERTADORA
Gilvan Teixeira



            A Escola há muito vem sofrendo inúmeras críticas por parte daqueles que acreditam ser a mesma uma instituição fracassada, assim como a família, os partidos políticos, a igreja e, por que não dizer, o próprio Estado. Fracassada porque, segundo eles, não consegue ensinar, produzindo verdadeiras levas de seres boçais, destituídos da capacidade de interpretação e de raciocínio lógico, incapazes de produzirem uma dezena de linhas num texto que tenha nexo e que não esteja eivado de crassos erros ortográficos ou que seja inteligível em sua grafia. Não bastasse isso – seguem eles -, a Escola tem deixado de servir de freio ao ímpeto de mancebos indisciplinados, grassando nos pátios, corredores e salas das instituições, públicas e privadas, verdadeira balbúrdia,  onde o professor hora é visto como “vítima esforçada”, hora como verdadeiro incompetente, quando não como algoz e ditador. Constrói-se e mostra-se uma cena, no mínimo, dantesca, onde imagina-se hordas de jovens mimados e sem limites a aterrorizarem seus mestres. As críticas não param por aí. Acusa-se a Escola de ser incapaz de mobilizar a comunidade, de pecar no diálogo com os pais, de agir como meliante a mendigar migalhas às vésperas de passeios e datas comemorativas. Ilustrando o cenário, os agoureiros trazem à luz (às trevas...) pesquisas e dados, muitos deles oficiais, que corroboram a imagem de uma Escola que não forma, mas deforma a geração hodierna. As médias mostram-se baixíssimas, pífias, envergonhando a todos. Ninguém escapa: diretores, supervisores, orientadores, professores, alunos, assessores pedagógicos das secretarias de educação (em todas as esferas), pais, alunos. Nesta hora parece que a “tia” da merenda ou o “tio” do portão são os únicos que escapam das saraivadas. O problema aparenta passar longe deles. Que nada! Logo vem um que outro teórico da educação para lembrar que eles também fazem parte da “engrenagem”. Não sobra pedra sobre pedra. O Legislativo não presta porque não cria leis que, de forma miraculosa, resolvam todos os problemas. O Executivo, por sua vez, perde seu tempo em lamúrias e esquivas como que a eximir-se de suas obrigações. Hora culpa o “orçamento” apertado, hora joga a culpa sobre o cenário internacional. O Judiciário... Que Judiciário? Enfim, está tudo perdido ! – afirmam os pessimistas de plantão.

            Temos problemas? Certamente! A Escola, hoje, passa incólume por eles? Por certo que não. Nem hoje e nem ontem. O que vemos atualmente, isto sim, são problemas  quiçá diferentes dos de outrora, pois que o processo histórico não pára, produz muitas vezes situações díspares de uma geração para outra. Temos que admitir, é claro, que as dificuldades crescem à medida que a “plebe” aumenta, que os centros urbanos incham. Contudo, vale lembrar, crescem também as possibilidades. Estas se multiplicam à medida que a capacidade criativa do homem se amplia. A Escola faz parte de tudo isso. Mais do que nunca ela precisa ser um (“o”) centro fomentador da auto-estima do ser humano, uma “arena” onde as idéias e opiniões devem se digladiar, não no intuito de sobrepor-se uma às outras, mas no sentido de amalgamarem-se de tal sorte que saia ganhando o coletivo. Mister é que se resgate e se reforce o papel da autoridade, esta personificada na “pessoa” do Estado (“latu-sensu”), do diretor, do professor, do pai. Autoridade pautada no respeito e na alteridade, jamais no arbítrio e no medo. É preciso resgatar e reforçar a auto-estima do educando, incentivar a pesquisa, valorizar suas virtudes e corrigi-lo com firmeza sempre que necessário. Ouvi-lo, respeitá-lo. Ser paciente e não permissivo frente aos equívocos tão comuns em tenra idade (como se nossas cãs nos livrassem de erros e devaneios...). Todos precisam assumir responsabilidades na árdua tarefa de dar à Escola a função que lhe cabe. O Estado tem a obrigação constitucional de zelar pela Escola de qualidade, criando condições físicas e humanas para tal. Isso passa, por exemplo, pela valorização profissional dos servidores da educação. Estes, por sua vez, precisam abandonar a condição de meras “vítimas”, passando a investir naquela “carreira” que escolheram. Práticas pedagógicas irresponsáveis e cômodas precisam ser revistas, mesmo que para isso tenhamos que “desacomodar”. Vícios individuais e coletivos tão conhecidos precisam ser questionados. Aparentes “privilégios” que separam os “mestres” de seus discípulos (e da comunidade como um todo) precisam ser repensados. Os genitores – mesmo que apenas “legais” –precisam “viver” a Escola, se fazer presentes na construção da Proposta Político-Pedagógica, do Regimento, da Avaliação. O Conselho Escolar não pode seguir a reboque da Direção, pois que autônomo. Não um Conselho de fachada, mas atuante e participativo, pronto a criticar e a debruçar-se sobre suas próprias feridas, não para lambê-las, mas para curá-las. A Escola tem jeito sim. Apostar nela é acreditar no próprio homem. É vislumbrar a possibilidade de construirmos uma sociedade menos violenta e mais fraterna, uma sociedade onde as oportunidades surjam para muitos. Valorizá-la é investir na utopia de um mundo melhor. Denegri-la é pôr em risco não só o presente, mas sobretudo os dias vindouros, é fechar as portas (já poucas...) sobretudo àqueles que – apesar da pobreza de recursos – ainda guardam no fundo do olhar o brilho dos crédulos, dos que acreditam num amanhã melhor. 
        

A arte de educar

A ARTE DE EDUCAR
Prof. Gilvan



            Alegam alguns que ser professor, hoje, é tarefa inglória. Defendem a tese de que lecionar é fonte de estresse e de incomodação. Isso, sem falar nos inúmeros trabalhos a serem levados para casa, nos baixos salários, etc, etc, etc. Contudo, a maior e mais freqüente reclamação dá-se em relação à sala de aula. A imagem que, não raras vezes fica, é a de uma arena. Ao invés dos leões, os alunos. O professor, coitado, diante dos olhares impiedosos em volta, resta-lhe apenas aguardar o trágico desfecho.

            Não que a profissão deixe de ter seus dissabores. Qual não os tem? Os problemas, por certo, existem. A tarefa é árdua. Um que outro pai incompreensível, a incômoda (e muitas vezes necessária...) burocracia dos cadernos de chamada, dos Planos de Estudo, do fechamento das “notas” e pareceres, da correção de provas e trabalhos, entre outros. Alguns finais de semana comprometidos, a renúncia ao convívio prazeroso com aqueles que se gosta, o cancelamento de viagens... Acima de tudo, talvez, o baixo rendimento daqueles colocados sob a responsabilidade do professor.

            Todavia, em que pese as agruras da profissão, educar reveste-se de uma encantadora magia. Por certo, as alegrias superam de longe as tristezas. Assim como o amor, a amizade, a honestidade... Um que outro sobressalto ou intempérie mostra-se insuficiente para colocar por terra tais virtudes. Bem aventurado o professor que, verdadeiramente, educa. A arte de educar envolve compromisso, respeito, crença no ser humano. Envolve coerência, dedicação, renúncia, humildade, estudo, incessante e permanente esforço na busca da criação e manutenção do vínculo com o educando. Este aprende, sobretudo, a partir da relação que se estabelece com o mestre. As múltiplas inteligências e diferentes formas de aprendizagem são, todas elas, tangenciadas pela qualidade e intensidade do vínculo. Não fosse a inexistência ou insignificância deste, muitos dos dissabores e queixas docentes passariam despercebidos.



Artigo científico publicado na "EDUCAÇÃO EM REVISTA"

No artigo abordei o tema da Indisciplina Escolar. Sugiro a leitura a todos os educadores.
Leia mais:
http://www.sinepe-rs.org.br/core.php?snippet=central_conhecimento_revista&id=734&idPai=733&idEdicao=14014

Papel Higiênico

PAPEL HIGIÊNICO
Gilvan Teixeira[1]


            Defecar todos o fazem. O bolo fecal produzido por pobres ou ricos, negros ou brancos, homens ou mulheres, letrados ou não, clérigos ou leigos, tem em comum a mesma essência, qual seja a de denunciar que apesar das históricas desigualdades reforçadas no dia-a-dia, somos todos simples mortais. O que muda são os ingredientes do bolo, porém não fosse o cheiro artificial produzido pelas perfumarias compradas pelos que por elas podem pagar, o odor seria o mesmo. Fétido como a mesquinhez humana. Quiçá o banheiro (patente, “casinha”, etc.) seja o lugar ideal para uma análise antropológica e sociológica da estratificação e das “castas” existentes no meio social, mesmo que tal meio seja uma cidadezinha como a que a gente vive. Outro dia, numa visita de alguns alunos da periferia à Câmara de Vereadores de Cachoeirinha, o que mais chamou atenção não foi a fala do palestrante mas, vejam só, o banheiro da Casa do Povo. A gurizada até então nunca tinha entrado em local tão asseado, organizado e convidativo como os banheiros do Legislativo. Ao contrário de seus casebres frios, escuros e apertados, naqueles banheiros pairava como que uma luz eterna garantida por lâmpadas de última geração. Acostumados às salas de aula mal pintadas, esburacadas feito queijo suíço, lousas irregulares tomadas pelo giz branco de qualidade duvidosa, as paredes dos banheiros da Câmara soavam como o paraíso. Pudessem, aqueles alunos optariam pela aula ali mesmo, sentados naquelas poltronas confortáveis, cercados daquele silêncio profundo só quebrado por uma que outra torneira ou descarga acionadas por aqueles homens e mulheres enfiados em seus trajes bem alinhados. Destaque para o papel higiênico. Alvo como a neve, macio feito seda chinesa, o papel mostrava-se acondicionado de maneira meticulosa, dobradinho tal qual lencinhos. Um mimo. A gurizada desacostumada à tamanha “frescura” não sabia ao certo se, de fato, aquilo era papel higiênico, pois que muito diferente do “material” a que estavam acostumados. A vida tinha-lhes reservado não apenas um presente e futuro difíceis - só não menos duros e inflexíveis do que as folhas dormidas da Zero Hora ou do Correio usadas na limpeza da postérieur -, mas uma ignorância mórbida associada à condescendência que alimenta e perpetua os benesses de uma minoria. Não sabiam eles que toda aquela pompa sanitária a debochar da miséria em que viviam era paga por eles mesmos. O escárnio a afrontar-lhes era o subproduto de uma pérfida história que, ano após ano, século após século, tem permitido que alguns poucos se locupletem em detrimento do interesse público. Não entendiam os pobres alunos como alguns “nobres” vereadores, pouco dados aos estudos (embora um “canudo” não ateste a idoneidade ética e nem tampouco o afã pelo trabalho) se apoderavam do microfone em nome do “povo”, assassinando não apenas o bom português mas, sobretudo, o bom senso e a verdade. Discursos vazios a perderem-se num plenário tomado por moscas, baratas e CCs. Homens com apelidos de heróis (talvez para não sujar o próprio nome...), discursos de estadista, mas sentimentos de inseto, da mesma espécie que costuma infestar o bolo fecal. Contudo, ao que parece, o que vale é a leveza e maciez de um bom papel higiênico.

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[1] A pedido da amiga Eleni, professora como eu.  

Anarquistas, graças a Deus...

ANARQUISTAS, GRAÇAS A DEUS...
Gilvan Teixeira[1]


            Quando jovem, parecia inaceitável do ponto de vista prático e teórico qualquer simpatia aos ideais anarquistas. “Um bando de loucos”, pensava. Como aceitar qualquer apologia à inexistência do Estado? Como viveriam e se organizariam os homens? Como resolveriam suas demandas? Como poriam fim aos conflitos natural e artificialmente surgidos? O anarquismo, quando muito, poderia se sustentar no plano teórico e olhe lá. Mais parecia um modismo típico da pequena-burguesia ou um sonho nascido por entre a fumaça de um baseado. O tempo passou. Hoje tenho o que outrora não possuía no que tange ao conforto e bens materiais. Poderia deitar a cabeça sobre o travesseiro e dormir à guisa da dor e sofrimento alheios. Seguir pagando minha aposentadoria privada, meu plano de saúde, a prestação da casa própria ou do carro recém comprado. Uma boa vida comprada à prestação, com crédito fácil, apesar de caro. Poderia, mas não consigo. O Estado, não o Estado enquanto instituição historicamente formada, mas o Estado brasileiro anoja. Causa asco. A cada dia, mais me convenço da absoluta nulidade que representa o Estado neste país. Além de caro, muito caro, é ineficiente, incompetente, inoperante, insuficiente, ineficaz... Só falta ser “inexistente”. Acho que é isso que passarei a defender. A inexistência do Estado, como pregavam os anarquistas há quase um século. Para que serve o Estado brasileiro? Acho que a pergunta é: a quem serve o Estado brasileiro? Certamente não está a serviço da população em geral. Nada que é público funciona. Saúde? Um caos. Hospitais sucateados, abarrotados de crianças, jovens, homens, mulheres e idosos que mais parecem gado pronto para o abate, só aguardando a hora da morte. Segurança? A criminalidade é assustadora, alimentada pelo tráfico crescente e incentivada pela certeza da impunidade. No Brasil, desarma-se o cidadão e solta-se o bandido. Resolve-se o problema da superlotação dos presídios, a incompetência e ineficiência do Judiciário expondo as famílias à violência reiterada. Ensino? A escola pública tem formado levas e mais levas de analfabetos não apenas políticos, mas crianças e jovens incapazes de interpretarem textos e a própria vida. Falta de professores, livros didáticos de qualidade duvidosa adquiridos em licitações fraudulentas, prédios sombrios e depredados, falta de merenda ou alimentação inadequada comprada a preços por demais “salgados”, salários aviltantes, são apenas alguns dos problemas que avassalam o ensino público brasileiro. Os únicos serviços públicos que funcionam, e mesmo assim de forma limitada e localizada, são aqueles repassados à iniciativa privada, onde o contribuinte paga duas vezes. Primeiro, porque em regra são estruturas caríssimas construídas com dinheiro público e, posteriormente, repassadas, às vezes de forma duvidosa (por que não criminosa?), a particulares. Segundo, porque uma vez nas mãos da iniciativa privada, tais serviços – apesar da qualidade questionável – são vendidos à população a preços exageradamente caros. Por que Estado? Executivo, Judiciário, Legislativo? Sejamos sinceros: a relação “custo-benefício” não é insustentável? O sistema partidário no Brasil jamais funcionou. Hoje, então... Uma verdadeira sopa de letrinhas. Incompreensível, confuso, não-confiável, sem qualquer identidade, senão aquela associada a privilégios espúrios e enriquecimento ilícito. Oposições destituídas de qualquer postura ética ou moral capaz de convencer o mais ébrio entre os mortais. Governistas que loteiam secretarias à guisa do interesse público. O “fio do bigode” há muito vem sendo substituído por cuecas, meias... O Executivo neste país segue com os mesmos vícios e distorções da República Velha. O Judiciário, outrora temido e respeitado por seu discurso hermético (e vazio!) e suas togas escuras, hoje é motivo de piada de boteco. Não julga e quando o faz, mais faz parecer um arremedo de jocosa peça de comédia pastelão. Esferas federal, estaduais e municipais. Nada escapa à corrupção entranhada nas estruturas do poder. O cidadão de bem – que é a maioria – está entregue à própria sorte, abandonado, órfão do Estado. Somos filhos bastardos. Jamais tivemos um pai (Estado) verdadeiro, só arremedo. Falsificação cara, não apenas do ponto de vista econômico, mas histórico.

            Frente ao exposto, conclamo homens e mulheres de boa-vontade a negarem o Estado. Sublevarem-se contra os impropérios, descalabros, distorções, desvios, mentiras representadas pelo Estado brasileiro. Este precisa ser extinto e, de preferência, sobre ele jogado sal, de forma a que jamais renasça. Não da forma que é. O Estado brasileiro precisa ser “refundado”, a partir de outros fundamentos que não os que por hora existem. O Estado deve pertencer aos brasileiros como um todo, respeitadas as diferenças e divergências de ordem política ou ideológica. O interesse público (maioria) deve prevalecer em relação ao interesse individual. O garantismo penal, por exemplo, não deve ser confundido com aquiescência e condescendência em relação à prática delituosa. Preso deve estar quem comete o delito, preso e – de fato – ressocializado, não solto como se nada tivesse acontecido. Os dilapidadores do patrimônio público (hoje protegidos por uma legislação falha e um Judiciário lento) devem ser penalizados de forma exemplar, de modo a que sirvam de exemplo a todo e qualquer criminoso que intente confundir o que é público com o que é privado. São eles os mais poderosos e perigosos delinqüentes, pois que as conseqüências de seus delitos comprometem a qualidade de vida de centenas, milhares e milhões de pessoas. Devem ser execrados não apenas do convívio social, mas da vida pública. Hoje, não apenas estão soltos como ainda ocupam lugar de destaque junto aos mais diversos corredores e gabinetes do Estado e das agremiações partidárias. Estado de verdade é aquele que se mostra capaz de estabelecer prioridades conforme as reais necessidades da população. Escolas, hospitais, vias de transporte (rodoviário, ferroviário, hidroviário, etc.), investimentos em infra-estrutura não podem ser preteridos por conta da construção de estádios de futebol ou viadutos que nada ligam. A já conhecida política do “pão e circo” precisa dar lugar à construção da verdadeira cidadania, esta só existente quando do acesso da maioria à boa qualidade de vida. Os números “positivos” da economia e da tão decantada “estabilidade” econômica precisam travestir-se em saúde, educação e moradia. As políticas públicas não podem se restringir às práticas superficiais e eleitoreiras como o “Bolsa Família”, haja visto que estas últimas nada mais fazem do que criar “currais eleitorais” que avassalam consciências e reforçam o que há de mais podre nas relações políticas. Cabe à sociedade civil organizada – movimentos políticos (não partidários), associações de bairro, estudantes, etc. – buscar novos caminhos capazes de “refundarem” o Estado brasileiro. Este, como está, não merece ser “alimentado” pelos tributos[2] que faltam à alimentação, ensino e saúde de nossos filhos. A chamada “classe média”, por exemplo, tem pago de forma concomitante ao Estado e à iniciativa privada por todos os serviços essenciais. Paga duas vezes. No Direito, quem paga mal, paga duas vezes. É o que temos feito. Ah, que saudade dos anarquistas...   


[1] Professor. Formado em História e Direito, pós-graduado em Ensino Religioso.
[2] A carga tributária no Brasil é insana. A ganância do Estado somado à malversação dos recursos públicos tem estimulado a sonegação.

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O galinheiro

O GALINHEIRO
Prof. Gilvan


            Ainda esses dias, na Sala dos Professores, conversava com minha colega, esta da área de Português. Mostrou-me um conhecido texto de Leonardo Boff. Este conta que, certa feita um camponês foi à floresta apanhar um pássaro, com o objetivo de mantê-lo em cativeiro. Pegou um filhote de águia. Colocou-o no galinheiro. Comia milho e ração própria para galinhas, embora a águia fosse o rei/rainha de todos os pássaros. Passados cinco anos, o camponês recebeu em sua casa a visita de um naturalista. Este, ao ver a águia disse não ser o pássaro uma galinha. O camponês concordou, porém afirmou que a águia como que se transformara numa galinha, pois fora criada como tal. O naturalista, não satisfeito, discordou, alegando que ela seria sempre uma águia. Decidiram fazer uma prova. O naturalista segurou o animal, ergueu-o bem alto e desafiou: “Já que você de fato é uma águia, já que você pertence ao céu e não à terra, então abra suas asas e voe!”. Nada, nem sombra de vôo. Ao avistar suas “companheiras” lá embaixo, pulou para junto delas. O camponês, sentindo-se vitorioso, tentou dissuadir o naturalista de sua idéia de resgatar a essência da águia. Contudo, o visitante não desistiu do intento. Voltou a lançar o desafio para o dia seguinte. Sem sucesso, apesar de ter levado a águia até o alto da casa. O bicho, ao avistar as galinhas lá embaixo a ciscarem o chão, pulou para junto delas. Não se contendo, o camponês era só sorriso. O naturalista, todavia, não desistiu. No dia seguinte, ambos levantaram cedo. Levaram a águia para bem longe, no alto de uma montanha, fora do alcance dos homens e das galinhas. O desafiante ergueu a águia para o alto e ordenou que voasse. “A águia olhou ao redor. Tremia como se experimentasse nova vida. Mas não voou. Então o naturalista segurou-a firmemente, bem na direção do sol, para que seus olhos pudessem encher-se da claridade solar e da vastidão do horizonte. Nesse momento, ela abriu suas potentes asas, grasnou com o típico kau-kau das águias e ergueu-se, soberana, sobre si mesma. E começou a voar, a voar para o alto, a voar cada vez mais para o alto. Voou... voou... até confundir-se com o azul do firmamento”[1]. Que texto, heim? Quantas “leituras” e interpretações podem brotar da singular narrativa do autor. Vive-se num grande galinheiro. Muitas são as águias que são criadas como se galinhas fossem. Comem como galinha, dormem como galinha, vivem como galinha. Disso surge o que parece inevitável. Sentem-se como galinha. Passam da condição de ágeis caçadores à de frágeis presas à espera do abate. Confortam-se com o ambiente às vezes enganador do galinheiro. Puleiro confortável, ponhadeira acolchoada, milho impecavelmente amarelado pelo poder dos corantes. Um sonho para qualquer galinha, não para uma águia. Sonho caro, apesar de – às vezes – facilmente adquirido através de “suaves” prestações junto às prateleiras dos shoppings e hipermercados. O aparente conforto mostra-se, contudo, fugaz. Insuficiente para aplacar o nobre sentimento que mais parece uma fagulha a arder, vez por outra, no peito da águia que acredita ser galinha. Quem somos? Nós educadores, somos às vezes águia no galinheiro. Imbecilizados pelo engodo que representa o marketing da produção de ovos. Valemos pelo que produzimos. Pela quantidade de ovos que possuímos. É a “lei das galinhas”. Como, no fundo, somos águia, não produzimos como as galinhas. O que seria motivo para despertar o espírito revolucionário e subversivo, engendrador de mudanças, vira tristeza e decepção. O que seria palco de fantásticos feitos transforma-se no divã onde toma lugar a depressão e as doenças laborais que levam à aposentadoria precoce, senão a do corpo, a da alma. Quisera fôssemos, nós educadores, o naturalista. Determinado, convicto de que por detrás da aparente galinha, esconde-se na verdade uma águia. Para tanto, necessário é que se tenha uma boa dose de paciência, persistência e acima de tudo fé no poder transformador de nossa ação educativa. Sejamos “pescadores de homens”. Incitemos nossos alunos a alçarem vôo. Lutemos para que as amarras e ferrolhos sejam arrebentadas, de modo que as águias aprisionadas rompam com a condição servil típica das galinhas.




[1] BOFF, Leonardo. A águia e a galinha. Rio de Janeiro: Vozes, 2002.

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Indisciplina: os limites da ação escolar

Indisciplina: os limites da ação escolar


Cada vez mais comum tem sido as reclamações advindas dos profissionais da educação – especialmente professores, pois que são os que lidam mais diretamente com o aluno – quanto à indisciplina, seja dentro da sala de aula ou fora dela (pátio e arredores da escola, por exemplo). Problema por demais complexo, diga-se de passagem. As causas são muitas. Existem os que atribuem à família a maior parcela de culpa (“a educação começa em casa!”). Outros, porém, culpam a escola (sonham com uma escola disciplinadora, capaz de “dar” o limite ao educando). Há, ainda, os que jogam a responsabilidade sobre o arcabouço legal (frouxo!), especialmente o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), vendo-o como permissivo e ineficaz. Existem, ainda, os que vêem as crianças e adolescentes como os principais, talvez únicos, responsáveis pela indisciplina escolar. Por fim, não poderíamos deixar de lado os que apregoam de forma altiva e aparentemente prudente a responsabilidade conjunta de todos os “atores” acima listados. Não é intenção aqui filiar-se a esta ou aquela linha de pensamento. Até porque, vale dizer, deseja-se vislumbrar alternativas para o problema, sim, alternativas que sejam práticas e que venham ao encontro das necessidades de uma “rotina” escolar. Teorizar não basta. Pusesse um que outro teórico, quiçá não resistiria a um (apenas e tão somente um!) dia num grupo de alunos indisciplinados. Inexistem fórmulas mágicas ou receitas. O enfrentamento ao problema passa, sobretudo, pela discussão, pelo diálogo, onde são indispensáveis grande dose de humildade e disposição para a “troca”.

A escola precisa, primeiro, fortalecer os vínculos existentes entre, principalmente, os corpos docente e discente, entre professores e alunos. Melhor ainda seria se a escola conseguisse fortalecer os vínculos entre os professores e seus pares, entre os alunos e seus pares, entre pais e seus pares, entre professores e pais, pais e alunos (filhos), enfim, fosse capaz de instigar e robustecer as relações pessoais entre todos os que, mesmo que indiretamente, orbitam no universo escolar. Contudo, como já dito, deve-se privilegiar a relação entre professores e educandos, pois que é desta relação que brota, mais comumente, a indisciplina escolar. Além do vínculo, mister é que tenha na escola um regramento disciplinar o mais claro e justo possível. Claro porque não deve haver ou pairar qualquer espécie de dúvida sobre ele. As regras devem ser universais (para todos) e impessoais. Justas porque devem as regras atender a objetivos e propósitos bem definidos, não simplesmente a regra pela regra. A comunidade escolar deve saber o porquê deste ou daquele regramento. Frente à violação da regra, obrigatoriamente, deve haver uma sanção, mesmo que tácita. A “pena” (medida sócio-educativa) deve estar de acordo com a gravidade da falta. O ideal é que tanto as regras quanto as sanções para violação das mesmas sejam trabalhadas e socializadas no coletivo (Justiça Restaurativa). Não apenas o aluno, mas seu responsável deve ser comunicado, mesmo que através de uma simples anotação na agenda (caderno), anotação esta a ser assinada pelo responsável.

Há anos venho trabalhando no atendimento aos alunos tidos como indisciplinados. Trata-se de uma escola privada situada na Zona Norte da capital gaúcha. Sinto-me à vontade para tratar do assunto, pois que além de coordenar o Setor de Disciplina da referida instituição, sempre estive, também, à frente de turmas, especialmente do Ensino Médio. Portanto, falo não apenas como alguém que tem o olhar de “fora” da sala mas, também, como aquele que vivencia a prática docente e se depara com todos (a maioria) os problemas e desafios típicos do educador. Acredito que todos os professores deveriam experienciar não apenas a sala de aula mas, também, os afazeres ditos mais “administrativo-pedagógicos” como, por exemplo, uma Direção, Supervisão, Coordenação, entre outros. Ora, tal experiência permite que se tenha a oportunidade de olhar a escola de outro(s) ângulo(s). Permite que se perceba os transtornos causados pela falta de um professor, pelo manejo inadequado de um colega educador, pela conduta repreensível de quem, como nós, está à frente do fazer pedagógico. Por outro lado, salutar seria que todo “administrador” de escola tivesse a oportunidade de, durante algum tempo, “respirar” o ambiente da sala de aula, ambiente este, por certo, muitas vezes completamente distinto daquele existente entre as quatro paredes de uma sala de Direção, Supervisão ou Coordenação, por exemplo. Acredito que conhecendo os dois “mundos” (técnico-administrativo e docente), muitas das conhecidas e repetidas lamúrias de ambos os “lados” se esvairiam. Cairia por terra o discurso fácil e irresponsável de que o professor é o “culpado” pelos problemas na escola. Da mesma forma, não resistiria o discurso que acoberta a (ir)responsabilidade do educador, jogando toda carga de culpa sobre os profissionais que, apesar de não estarem em sala de aula, participam de forma significativa no processo ensino-aprendizagem.

A indisciplina escolar reflete, não raras vezes, a própria desorganização e incoerência do educador. Como cobrar do aluno atenção e concentração quando, por exemplo, se presencia a “zorra” de uma reunião pedagógica? Não raro é ver o mesmo professor que de forma deselegante, descomprometida e desrespeitosa tagarela com o(s) colega(s) durante a palestra, cobrar do aluno atenção à “sua” aula. Ou, quiçá, a professora enfiada em trajes pouco recomendáveis, criticar a aluna que se mostra vulgar. Ou, ainda, o professor que fuma ou ingere bebida alcoólica e lança suspeita sobre o aluno que aparenta ser consumidor de drogas. Enfim, muitos seriam os exemplos que poderiam ilustrar esta fala. Enquanto Coordenador de Disciplina, muitas foram às vezes em que testemunhei professores (colegas) terem uma prática diametralmente oposta ao discurso. Esquecem que o educando percebe tais paradoxos. Jamais deveríamos subestimar a inteligência de nossos discípulos. Ensina-se, sobretudo, pelo exemplo.

A indisciplina na escola é produto, também, da estrutura organizacional da instituição de ensino. A escola precisa – como já dito acima – ter sua prática assentada numa Proposta Político-Pedagógica capaz de refletir a realidade da comunidade escolar com que lida. Uma Proposta que seja, de fato, construída, onde haja a efetiva participação do maior número de pessoas, estas representando todos os segmentos da escola: pais, alunos, professores, funcionários, etc. Uma Proposta que deixe claro a opção (linha) pedagógica da instituição. Onde fiquem claros os papéis e responsabilidades (muitas delas “compartilhadas”) dos “atores” deste grandioso, fabuloso e instigante palco que é a escola. Uma Proposta que seja factível, pois que do contrário – por mais belo que seja seu texto – se mostrará inócua e estéril. Uma Proposta que abrigue um Regimento que resguarde a salutar e bem-vinda autoridade do educador sobre o educando. Os profissionais da educação – especialmente aqueles que lidam diretamente com o aluno – precisam ter a segurança e apoio necessários ao desenvolvimento de suas atividades. O aluno deve saber disso, da mesma forma que seus responsáveis. A indisciplina graça onde são olvidados os passos acima.

Outro importante fator que contribui na indisciplina escolar é a “ausência” dos pais (ou responsáveis) em relação aos seus mancebos. Ausência não necessariamente física, mas também (e, às vezes, sobretudo) enquanto verdadeiros cuidadores, tutores e disciplinadores dessas crianças e adolescentes. Muitos são os motivos alegados para o não exercício de uma paternidade/maternidade responsável e, de fato, comprometida. A necessidade de labutar em busca do pão de cada dia, a idade (“é fase... passa”), a tentativa de compensar a ausência física através de “presentes” e “dádivas”, entre outros. A família deve assumir seu papel e deixar de eximir-se de uma obrigação que é não apenas legal mas, principalmente, moral. Deve ela saber que ao matricular o aluno na escola, está anuindo à proposta daquela instituição de ensino ou de sua mantenedora. Não só pode como, em determinadas situações, deve contestar a prática escolar, afinal faz parte do “jogo” democrático. Contudo, inexistindo ato lesivo ao direito do aluno e de sua família (direito este previsto no ordenamento jurídico e no contrato de prestação de serviços, no caso das instituições privadas), cabe à família apoiar e agir em parceria com a escola, pois que ao final das contas ambas buscam (ou deveriam buscar) o mesmo propósito, qual seja, a formação intelectual e humana do educando. Condescender (mesmo que de maneira sutil) com a indisciplina do aluno, mais cedo ou mais tarde, tornar-se-á ela própria (a família) vítima da postura irresponsável e danosa do aluno.

Finalmente, outro fator que contribui na indisciplina escolar é a postura do próprio aluno. Este precisa de limites que devem ser dados, primeiramente, pela família. Cabe à escola também dá-los. Falhando tais instâncias, infelizmente, não resta outro caminho que não o limite dado pelas instituições ditas “fechadas” (em alusão a Foucault), normalmente mantidas pelo Estado, situação esta pouco desejada, pois que se depara aqui com a flagrante delinqüência juvenil e todos os seus traumas e conseqüências. Quando necessário, deve-se lidar com a mais absoluta firmeza em relação à indisciplina escolar. A conduta precisa ser recriminada e, se for o caso, seguida da respectiva medida sócio-educativa. Aqui, não tem sido incomum a escola deparar-se com a resistência da família. Esta, muitas vezes, usa de “pressão” para evitar ou reverter a punição vinda da escola. As ameaças são de ordem tácita ou explícita. Seja por desinformação ou falta de convicção na condução de seu próprio trabalho, a escola acaba por vezes titubeando frente às investidas da família. O ideal é que a instituição escolar conte com uma estrutura jurídica pronta a municiar e orientar a escola em direção a uma diminuição do risco diante de eventuais demandas judiciais nascidas do embate entre a família e a instituição de ensino. Reforça-se aqui, novamente, a necessidade da escola “marcar posição”, desde que tenha agido de acordo com princípios legais, éticos e pedagógicos aceitáveis. Ao educando deve restar claro o princípio da autoridade (não autoritarismo) e a necessidade de se preservar os princípios atinentes à convivência humana. O interesse (mesquinho e egoísta) individual não pode preponderar sobre o interesse coletivo (da escola, dos colegas e de suas famílias) em se tratando de indisciplina escolar. Adolescência, por exemplo, jamais deve ser confundida com delinqüência, do contrário estaremos formando homens e mulheres doentes e perversos, com sérios prejuízos para toda coletividade.

Conclui-se, portanto, que a indisciplina na escola é tão presente quanto preocupante. É ela semente e fruto de uma (des)organização social que tem alijado importantes valores outrora tidos como sagrados (nem por isso, necessariamente, respeitados). As causas são muitas. As conseqüências, não em menor número. Defende-se aqui não uma falsa e perigosa “vitimologia” que hora torna este, hora toma aquele “ator” como ovelha indefesa. Busca-se, isto sim, primeiro uma reflexão acerca do problema, reflexão esta que deve motivar a construção coletiva de alternativas capazes de melhorar significativamente o ambiente escolar. Todos ganham.

*Formado em História pela PUCRS e Direito (Unisinos), com Pós-Graduação em Ensino Religioso (CESUCA). Professor do Instituto de Educação São Francisco, em Porto Alegre e Coordenador de Disciplina.
Gilvan Andrade Teixeira*


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A Indisciplina Escolar no Campo do Direito

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A Indisciplina Escolar no Campo do Direito


18-11-2010
A Indisciplina Escolar no Campo do Direito
Por Professor Gilvan

     A indisciplina escolar é, por certo, um tema de enorme relevância2, seja por sua atualidade, seja pelos reflexos no que tange ao processo ensino-aprendizagem, seja ainda pelas conseqüências – muitas delas profundamente preocupantes – sobre os “atores” envolvidos, em especial alunos, pais e educadores. Indisciplina escolar pode ser definida de inúmeras formas, contudo a maioria delas tendo em comum o mesmo sentido, qual seja, a de uma postura que agride os princípios de convivência estabelecidos na (às vezes, “pela”) escola, postura esta com graus variáveis de gravidade. As causas da indisciplina podem ser intrínsecas e/ou extrínsecas3, sendo as primeiras diretamente ligadas ao aluno (problemas de ordem clínica4 , enquanto as últimas estão associadas ao contexto, em especial a sociedade5 como um todo, a família e a escola. A sociedade tem, de forma flagrante, patrocinado o consumo exacerbado (consumismo) e irresponsável6 , onde o sujeito passa a ser medido pelo que tem.
     A superficialidade e o “descarte” das relações são a tônica. O aluno sofre com sua profunda “invisibilidade”. A família, por sua vez, há muito vive uma crise de autoridade, onde não restam claros os papéis. Não tem sido incomum mulheres que deveriam agir como mães, vestirem-se e portarem-se como adolescentes. Da mesma forma homens que deveriam agir como pais, porém insistem em não honrar com o respectivo papel. Tais pais privam seus mancebos dos necessários modelos. Quanto à escola, infelizmente – não raras vezes – tem adotado metodologias e instrumentos de avaliação carcomidas pelo tempo, que olvidam as idiossincrasias e diferentes formas de aprender. Privilegia-se uma educação “bancária” que agride a individualidade e sepulta sonhos, tornando o processo ensino-aprendizagem penoso e contraproducente.
     
A indisciplina escolar apresenta-se sob várias facetas, sendo uma delas o tão falado – às vezes, sem a profundidade e propriedade necessárias – bullying7. Esta forma de violência tem entre suas causas os estereótipos criados e alimentados pela própria sociedade. Esta, ao mesmo tempo que condena a violência entre os muros das instituições de ensino, estimula crianças e adolescentes aderirem a modelos não raras vezes equivocados de beleza, de força, de masculinidade... A mesma sociedade que condena a pedofilia é a que permite e instiga a sensualidade precoce dos pequenos corpos que dançam e desfilam ante os olhares orgulhosos dos genitores. Sob a capa da “inocência”, muitos são os pais que arriscam seus filhos e filhas, alijando-se do mínimo cuidado necessário frente às intempéries e descalabros da pseudo-modernidade. A prática do bullying é reforçada pela escassez de modelos apropriados, não aqueles vendidos nas prateleiras e vitrines dos supermercados e lojas ou anunciados em revistas e demais meios de comunicação.
     O bullying se fortalece, ainda, com a omissão e a falta de conseqüências ao comportamento cruel. As conseqüências? Ora, além do enorme prejuízo ao processo ensino-aprendizagem, a violência ocorrida no ambiente escolar pode acarretar ajuizamento de ações e sanções judiciais e extrajudiciais. A superação da violência nas escolas passa, necessariamente, pelo fomento de uma nova “consciência” alicerçada nos vínculos e modelos positivos.
     O Bom é que a Proposta Político-Pedagógica e o Regimento Escolar sejam construídos de fato pela comunidade escolar, que o currículo privilegie a cooperação e o lúdico. Uma escola que privilegie a justiça “restaurativa” e não a “retributiva”. Um ambiente escolar que fomente o diálogo, o respeito, a alteridade e a solidariedade8.
 
Uma das maiores preocupações das instituições de ensino – públicas e privadas – tem sido a forte tendência à judicialização dos conflitos envolvendo os atores que orbitam em torno da escola9. Vale lembrar, contudo, que às vezes tal apelo ao Estado se faz necessário.  
     Exemplo disso são os casos de atos infracionais, evasão, excesso de faltas, abuso sexual, entre outros. Por outro lado, às vezes a judicialização soa como exagerada e revela, em última instância, a incapacidade de diálogo e solução de problemas por parte dos envolvidos no conflito. Neste último caso, tensionam-se as relações, sobrecarrega-se o Judiciário e desumaniza-se o homem. Tem-se assistido a uma espécie de “inflação” normativa que busca “tratar” e, em tese, superar (sem nenhuma garantia de sucesso10) o problema da indisciplina escolar, especialmente a de maior grau de violência física e/ou psicológica. Exemplo desse quase “desespero” é o pedido para que o Conselho Estadual de Educação do Rio Grande do Sul se pronunciasse acerca da validade e necessidade dos chamados “princípios de convivência” e aplicação de eventuais punições a alunos indisciplinados11.
     
Conclui-se, portanto, que o problema da indisciplina escolar, bem como sua superação, é da responsabilidade de todos. Cabe à família resgatar seu papel disciplinador. A permissividade, a omissão e a indiferença devem dar lugar ao amor “exigente”, onde os pais jamais sejam cúmplices (amanhã, vítimas...) da desonestidade, da violência, da mentira, da desobediência, da indolência, do desrespeito e da falta de compromisso de seus filhos e filhas.
     À escola cabe, por sua vez, ter firmeza e regularidade quanto às regras estabelecidas, desde que necessárias e razoáveis. A banalização da punição e o “açoite” de notas devem ceder lugar à prevenção, ao diálogo, à formação e aprofundamento dos vínculos. O professor – como bem lembrou certa feita José Outeiral – deve lançar um “olhar viajante” em direção ao aluno, um olhar pautado na interdisciplinaridade, na criticidade, no respeito às diferenças, enfim, no amor. Por certo, não é uma caminhada fácil, nem tampouco curta, mas necessária. As “zonas de conforto” precisam ser rompidas. Somente assim engendraremos pessoas de bem, homens e mulheres verdadeiramente sadios, prontos a darem as respostas que este mundo cada vez mais globalizado precisa.

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1. O texto é uma pequena síntese do Trabalho de Conclusão do curso de Direito da Unisinos. Buscou-se dar um enfoque pedagógico e jurídico ao tema, iniciativa esta pouco usual na literatura hoje disponível.
2. A escolha do tema deu-se, seja pela relevância, seja pela experiência do autor como educador (desde 1992 lecionando junto ao Instituto de Educação São Francisco), Coordenador de Disciplina (trabalhando no respectivo Setor há mais de uma década), Assessor Jurídico da Secretaria Municipal de Educação de Cachoeirinha-RS (nos últimos quatro anos) e como pai de três filhos (onze, sete e quatro anos).
3. Normalmente, as causas intrínsecas e extrínsecas estão de tal forma imbricadas que torna-se temerário separá-las.
4. Nesses casos, mister é que seja feito o devido acompanhamento por parte do profissional competente, de modo a que se tenha um laudo que comprove o problema e permita, por parte da escola, o planejamento que venha ao encontro da real necessidade do educando). Nos casos “clínicos”, não deve haver espaço para o amadorismo e o “achismo”, seja por parte dos educadores, seja por parte da família.
5. Aqui entendida como uma espécie de “caldo cultural”.
6. Com sérias – e às vezes irreversíveis – conseqüências para o meio ambiente, para a saúde financeira da família, entre outros.
7. Pode ser definido como um ato cruel, deliberado, repetitivo, que busca “controlar” o outro, provocando medo, vergonha e baixa auto-estima. O bullying é uma violência física e/ou psicológica sistemática e que, segundo alguns autores, está intimamente associado ao ambiente escolar. Vale lembrar, ainda, o chamado ciberbullying, ou seja, a prática do bullying por meios eletrônicos como a internet. A experiência do autor junto ao Setor de Disciplina do Instituto de Educação São Francisco tem mostrado a urgente necessidade da família em acompanhar mais de perto o uso do computador por parte de crianças e adolescentes. Tem sido bastante comum o mau uso dos meios eletrônicos, equívoco este que pode trazer sérios problemas e alimentar demandas inclusive de ordem judicial.
8. Investir na prevenção e solução dialogada de conflitos, por certo, reduz o risco das instituições de ensino responderem judicialmente frente aos mais diversos problemas surgidos no dia-a-dia.
9. Exemplo dessa tendência são os diplomas legais que têm surgido. Sugere-se a leitura da Lei Municipal (Porto Alegre) nº 10.866/2010 que instituiu a “política antibullying”, com ênfase não na punição, mas nos chamados “círculos restaurativos”.
10. Defende-se aqui a tese de que, nem de perto, o problema seja de ordem “legal”. Vez por outra as iniciativas legislativas (em todas as esferas) têm vindo mais ao encontro de interesses pessoais e “eleitoreiros” do que auxiliado, de fato, na superação do problema. Sugere-se a leitura e análise do Estatuto da Criança e do Adolescente, diploma este muitas vezes “mal-amado” pelos educadores, que o acusam de ser excessivamente permissivo e condescendente em relação a eventuais condutas de indisciplina por parte de crianças e adolescentes. Grande equívoco, pois que o ECA busca, isto sim, é a garantia da dignidade da pessoa humana, vendo as crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, direitos estes que devem e precisam ser respeitados. Protege-se o indivíduo (e, com ele, a própria coletividade...) e não sua conduta!
11. O CEEd/RS, através do Parecer nº 820/2009, deixou claro que cabe à comunidade escolar a criação de regras que sejam claras, razoáveis e conhecidas por todos. Além disso, o Conselho enfatizou a necessidade da escola garantir – quando diante de situações de indisciplina – o contraditório e a ampla defesa.
12. O Instituto de Educação São Francisco há bastante tempo vem garantindo um nobre “espaço” para reflexão e discussão de problemas dos mais variados. É o Fórum de Pais, que ocorre sempre na primeira segunda-feira do mês. Sugere-se a visita ao site da Escola.

Os riscos do mau uso da "internet"

Os riscos do mau uso da "internet"


 Infelizmente, a internet – fantástica ferramenta que deve estar a serviço do homem de forma positiva – tem sido usada por alguns de forma equivocada, irresponsável e, às vezes, criminosa[1]. Torna-se cada vez mais urgente um olhar cuidadoso dos pais (responsáveis) em relação ao uso dos meios eletrônicos por parte de nossas crianças e adolescentes. Tem sido cada vez mais comum o uso da internet para veiculação de imagens e textos que ofendem a dignidade da pessoa humana e atentam contra a própria legislação vigente. Por trás de tais práticas lesivas existem, não raras vezes, crianças e adolescentes, hora no papel de vítimas, hora no de algozes. Cabe a nós, pais e professores (pois que ambos, educadores...), trabalharmos no sentido de orientarmos nossos jovens para que não pequem – nem pela ação e nem, tampouco, pela omissão – no que tange ao mau uso dos meios eletrônicos. Vale lembrar que sobre os responsáveis legais (pais, por exemplo) recai a obrigação moral e jurídica quanto ao cuidado em relação às crianças e adolescentes.
    Necessário é que se deixe claro aos usuários dos meios eletrônicos que existem limites à liberdade de expressão e à manifestação do pensamento, limites estes que não podem violar direitos de terceiro (inclusive pessoas jurídicas), nem tampouco devem ofender aos princípios éticos, muitos deles protegidos pelo ordenamento jurídico. Enganam-se os que cometem os seus erros (alguns, inclusive, tipificados como crime) sob a falsa idéia do anonimato do mundo virtual, pois que não apenas a própria consciência os condena, como ainda não são poucas as técnicas hoje aplicadas no desvelar de práticas ilícitas cometidas no mundo da internet.
    Finalmente, a Rede de Escolas São Francisco reitera a crença não apenas nas novas tecnologias a serviço do homem, mas principalmente no próprio ser humano, este sujeito de direitos e obrigações. Pede-se a todos os pais e responsáveis que exerçam o papel não apenas de “fiscais”, mas sobretudo de “cuidadores” em relação às crianças e adolescentes sob sua tutela.

 Porto Alegre, abril de 2011.
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1. Recentemente, por exemplo, o nome de nossa Escola foi utilizado de forma indevida na internet. Vale lembrar que o uso do nome e da marca de uma instituição, sem a devida autorização, é uma prática que ofende à legislação, constituindo-se em ilícito passível de sanção (punição) jurídica, inclusive nas esferas cível e criminal.  A própria Constituição Federal (Art. XXIX) assegura a proteção à “marca” de uma empresa. O nome comercial constitui direito de personalidade da pessoa jurídica, cuja violação enseja a recomposição patrimonial pelos danos materiais e à imagem ocasionados por terceiros que dele se utilizem.


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